Em uma disputa acirrada, de 51,9% à 48,1%, os britânicos decidiram que não serão mais parte da União Européia. O resultado talvez seja uma das mais importantes reviravoltas políticas da década, com impactos em toda a política internacional pelos próximos anos.
Levará dois anos até que o processo de saída do Reino Unido se complete, mas os efeitos da cisão já são perceptíveis. A cotação da Libra Esterlina despencou nesta quinta feira, caindo ao nível mais baixo em 31 anos: Um dólar e 33 centavos. As bolsas de valores ao redor do mundo também sofreram com a separação anunciada: a bolsa de Tóquio caiu 8%. A de Wall Street teve queda limite: 5%.
Apesar do solavanco econômico, os nacionalistas britânicos estão em clima de festa. Nigel Farage, líder do United Kingdom Independence Party (Ukip) e principal porta voz do “saia” chamou este de “o dia da Independência do Reino Unido”. Horas mais tarde, o primeiro-ministro David Cameron renunciou ao cargo, declarando em discurso não ser mais capaz de guiar o país. Um novo primeiro ministro deve ser nomeado apenas em outubro, após a convenção do partido Conservador; Cameron abandona o cargo nesta segunda, deixando o Reino Unido sem um líder oficial, na falta de um vice-primeiro ministro.
Em um discurso acalorado, Farage afirmou que os britânicos tiveram sua independência ‘sem precisar de um único tiro’. A fala foi tida como insensível meros dias após um militante de outro movimento nacionalista, o Britain First, matar a parlamentar trabalhista Jo Cox em Birstall. Cox era uma proeminente defensora do fique. Seu algoz, Thomas Mair, tem ligações com grupos nacionalistas, nazistas e de supremacia branca. Usando de uma arma caseira, Mair cometeu o primeiro assassinato de um parlamentar britânico em exercício desde 1990 – e se apresentou à corte como “Morte aos traidores, Liberdade à Bretanha”.
Farage é a cara e a mente por trás do “saia”. Com um discurso nacionalista e conservador, o ex-Tory fala diretamente aos medos mais básicos da população. Sem apresentar dados ou análises mais complexas, seu partido dá uma resposta simples para os problemas do Reino Unido: a culpa é dos imigrantes. Filas de espera no sistema de saúde, criminalidade, desemprego, impostos, tudo explicado como resultado da União Européia e suas hordas de imigrantes.
Em resposta à vitória do “saia”, o vice-primeiro ministro da Irlanda do Norte, Martin McGuinnes, do Sinn Féinn, propôs a realização de outro referendo: pela saída da Irlanda do Norte da Comunidade Britânica. A proposta de McGuinnes é a primeira repercussão óbvia do Brexit na estabilidade da Comunidade Britânica. O partido irlandês de imediato propôs a realização de referendos similares em Gales e na Escócia – onde, como na Irlanda, o voto pelo fique foi vencedor.
Há a possibilidade de que mais países pleiteiem sua saída da União Européia em um futuro próximo. O Brexit criou um precedente preocupante, que pode levar a ao colapso da maior organização política da modernidade. Pior: pode levar ao esfacelamento e a balkanização dos estados europeus, muitos dos quais tem seus movimentos separatistas, como o ETA na Espanha, o Movimento Normando na França e as múltiplas facções do nacionalismo sardenho na Itália. As repercussões disso são imprevisíveis.
O discurso do Ukip – comparado pela escritora inglesa J.K. Rowling com o de Adolph Hitler, comparação amparada por um cartaz de propaganda do próprio partido usando de iconografia nazista – parece fazer sucesso em outros países europeus. Na França, Jean-Marie Le Pen tem agregado massas de seguidores com um discurso contra “a ameaça islâmica”. Na Alemanha, ataques contra imigrantes e refugiados estão em alta, ironicamente sob a alegação de que eles são violentos. Os políticos nacionalistas repetem uma estratégia que é comum em estados fragilizados – e que gera temor ao ser vista na Europa: a de pintar um inimigo maior no estrangeiro, inimigo este que pode ser usado para justificar qualquer coisa.
Como consequência do colapso das economias do leste europeu, e agora como consequência da guerra que assola a Síria desde março de 2011, a União Européia foi tida por milhões como uma oportunidade de recomeçar suas vidas. Para muitos cidadãos europeus, alheios aos fatores maiores da política e da economia, o fluxo desses imigrantes é a causa de seus problemas.
Usando de um alvo fácil – o outro, o excluído, o ‘estranho’ – estes movimentos unificam a população contra um “inimigo” em comum. Um que nada fez contra eles, além de existir. Enquanto isso, os interesses econômicos e políticos responsáveis por seus problemas continuam ilesos, intocados e no comando. Empurrados para guetos e hostilizados, a segunda geração de refugiados se torna presa fácil para o extremismo e para o crime. Enquanto isso, seus irmãos “nativos” são vítima do extremismo nacionalista, aproveitando de sua ignorância e sua carência social, virando-se contra o “inimigo” que “lhes tirou o emprego” e que “ocupou a vaga de seus filhos”.
Para muitos nacionalistas ingleses, a vitória do “saia” significa se livrar dos estrangeiros que tomaram o que lhes era de direito. Com as tensões em alta no país, não é impossível que agridam – verbalmente ou pior – aqueles que leiam como sendo “estrangeiros” invadindo a SUA Inglaterra. Sem imaginar que não é impossível que em 10 ou 20 anos sejam eles ou seus filhos à migrarem para a Europa em busca de um recomeço.