“O que aprendi com Dom Casmurro”

Por: Nelson Luiz Pereira

11/10/2021 - 17:10 - Atualizada em: 11/10/2021 - 17:48

Era o 1º ano da faculdade. O dinheiro era curto para comprar livros, pois a prioridade era pagar os quatro anos do curso. Ir para o meio acadêmico depois do trabalho era meu programa predileto. Eu não perdia um dia sequer. Quando não tinha aula, eu me trancafiava na biblioteca, escolhia alguns livros e me acomodava à uma mesa ao fundo. Em certa ocasião, um jovem de cabelos longos, óculos de armação arredondada, que fazia lembrar John Lennon, sentou-se numa mesa próxima a minha, de posse de quatro livros.

Passados uns 40 minutos de pesquisa, o jovem se retirou deixando os livros no local. Mudei-me para mesa que ele havia ocupado. Estava curioso por saber quais os livros que aquele aparente intelectual, estava consultando. Tomei um dos livros. Era a obra Dom Casmurro, de Machado de Assis. Passei a folheá-la vagarosamente. Em determinada altura meus olhos se fixaram numa passagem: “a vida é uma ópera e uma grande ópera. O tenor e o barítono lutam pelo soprano, em presença do baixo e dos comprimários, quando não são o soprano e o contralto que lutam pelo tenor, em presença do mesmo baixo e dos mesmos comprimários.”

Estas linhas me despertaram a curiosidade. Embora eu não tivesse entendido por inteiro aquela passagem, me interessei pelo livro. Sempre que não havia aula, ou mesmo nos intervalos, eu me dirigia à biblioteca, lia oito a dez páginas. Fiz o mesmo com outros livros. Chegado ao fim do primeiro ano, eu havia lido uma boa quantidade de livros no ambiente da biblioteca. Mas Dom Casmurro foi o que me marcou. A essência de meu romance colegial malogrado, tinha grande conexão com o conteúdo daquela obra. O que mudava era só a parte final. Em Dom Casmurro o epílogo da narrativa fica no ar.

Não se sabe se Capitu traiu, de fato, seu amado, ou se o exacerbado ciúme de Bentinho tenha o enfeitiçava a ponto de acreditar que estava sendo traído. Se o desfecho no citado clássico ficou indefinido, no meu juvenil romance colegial, não pairaram dúvidas: eu fui, de fato, extremamente ciumento, além de ter sido, de fato, traído. A mensagem subliminar e rimada que eu extraí da obra foi: qualquer sujeito que, além de ciumento, venha ser casmurrento, será contemplado com um capacete viking a qualquer momento.