“Na música da fala, o mundo virou uma cacofonia”

Por: Nelson Luiz Pereira

22/02/2022 - 08:02 - Atualizada em: 22/02/2022 - 08:23

A música é uma linguagem universal. Qualquer ser humano com saúde auditiva pode entende-la. Isso não exclui alguns superdotados, como Beethoven, que depois de surdo ouvia com o cérebro. Ou seja, o mundo é uma constante música. Hermeto Pascoal que o diga. Até do silêncio absoluto emana música. No entanto, a música do nosso cotidiano, aquela que nos move, nos instiga, nos alegra, nos deprime, nos aproxima, nos afasta, e por vezes até nos mata, está contida na fala e na escrita.

A música inserida na comunicação, que soa das palavras, habita nossa alma e toca nosso brio. Assim como o Ode à Alegria, último movimento da Nona Sinfonia de Beethoven, pode ser extraído dos mais variados instrumentos, uma mensagem traduzida em palavras, pode emanar uma infinidade de sons, tons e semitons. Tenho alguns amigos bipolares que, de acordo com a cor do dia ou volume do copo, emitem um tom diferente. Um dia falam em tom natural, outro em tom maior, outro ainda, em tom menor, e às vezes até ousam um tom diatônico.

Deveria haver uma técnica psicoterapêutica que ajudasse as pessoas na afinação do tom da fala. Isso porque, somos aceitos, respeitados e admirados, não pelo que dizemos, mas pela música com que o dizemos. A fala a que me reporto, é no sentido lato, ou seja, expressa pelos mais variados meios e formas. Me identifico muito melhor com o tom da fala oral presencial, por ser mais harmônico, mais fácil de ser afinado. Raramente desafina durante a execução. No entanto, é o menos praticado atualmente.

Já, por outro lado, o mais difícil é encontrar afinação para o tom da fala expressa via WhatsApp. É o meio que concentra o maior fluxo de comunicação humana. E é por esse motivo que o mundo se transformou numa cacofonia. Por conta disso, prefiro ir me isolando. Pelo instrumento WhatsApp qualquer um, mesmo desprovido de raciocínio espaço-temporal, pode tocar sua orquestra na fala.

Se não há partitura para se orientar, ele se apropria do primeiro conteúdo pronto, disponível no lixão da web. Identifica-se, daí, a música contida na fala não falada pelo interlocutor. Por conseguinte, desafinada e enfadonha. Todos temos fraquezas. Confesso que uma das minhas, repousa no meu ouvido. A música desafinada num instrumento me incomoda, mas na fala, me entorpece