“Minhas barejas: uma crônica azulada”

Por: Nelson Luiz Pereira

23/10/2020 - 17:10 - Atualizada em: 23/10/2020 - 17:45

De antemão devo esclarecer que existem a vareja, que é uma mosca, e a bareja, que também é mosca, porém, metamorfoseada em ser humano. Tratarei aqui da bareja com “b”. Minha filha vive me dizendo: “pai, você tem uma incrível capacidade de atrair barejas, além de uma estupenda habilidade de não se livrar delas”. E pra intensificar meu abatimento, arremata com aquele sonoro ‘meeeeu deeeeus’. O fato é que tenho plena consciência disso, e sinto tremenda inveja quando observo barejas pousando em certos amigos, e esses, com a maior naturalidade, sem o menor constrangimento, as enxotam.

Normalmente, as barejas azuladas aparecem, para mim, inesperadamente, e sempre em momentos inoportunos. Eu simplesmente poderia dizer que dentro de 20 minutos entraria em uma reunião importante, ou velório. Eu até ensaio mentalmente, mas reluto por achar que a bareja possa interpretar como um subterfúgio meu para vazar. Então, desesperadamente, sofro em silêncio, torcendo para que ela alce voo, mas ela não faz. Quando elas pousam em mim, elas nunca voam. Certa feita atraí uma bareja que pousava em mim diariamente. Troquei de ambiente, onde uma antessala garantia meu isolamento.

Então instruí a secretária. Sempre que a bareja me procurasse, deveria ser informada que eu me encontraria em extensa reunião em outro departamento. Eram 11h do outro dia quando a bareja pousou na secretária. Mesmo com minha porta fechada, pude ouvir o zunido: “o Sr. Nelson está?” “Não, ele acabou de sair para uma reunião, que deverá demorar”, disse a secretária. “Hum… ‘zzzzz’… esperarei ele retornar”. A bareja me manteve preso dentro daquela maldita sala até às 15 horas daquele maldito dia.

Não resistindo a maldita fome, me entreguei, deixando que ela pousasse em mim. Corajosamente consegui dizer que precisava fazer um lanche, ao que ela respondeu: “eu lhe acompanho, já que também preciso lanchar, pois perdi o almoço esperando por você”. Durante todo o lanche ela zuniu nos meus ouvidos. Acabei pagando as duas malditas contas me sentindo aquela substância fétida que as moscas mais apreciam