“Minha inesquecível Pátria dos idos de 64 a 85”

Por: Nelson Luiz Pereira

04/09/2020 - 18:09 - Atualizada em: 04/09/2020 - 18:30

Nunca se apagou de minha memória escolar, aqueles anos 64-85 em que o civismo na educação era imposição ditatorial. A pena por notas baixas em Português, eram até brandas, limitando-se a um puxão de orelha. Mas, em se tratando de Educação Moral e Cívica e Religião, era a certeza de pena dobrada: palmatória na escola e vara de marmelo em casa. As professoras usavam boina militar, saia até as canelas e não mostravam os dentes. Já o professor, este era uma espécie raríssima.

O momento solene à bandeira, com ginásticas e declamações de poesias cívicas, era curricular e com ritual semanal. O impecável alinhamento dos pelotões mirins, me lembram hoje, o exército da Coreia do Norte diante de Kim Jong-un. O dia 7 de setembro era o dia mais importante do ano. Jamais esquecerei aquele sagrado ‘kit pátria’ que mamãe zelosamente mantinha no guarda-roupas.

O oval estojo, com bagas de naftalina, armazenava uma camisa branca engomada a base de clara de ovos, que acompanhava uma gravatinha borboleta cor preta; uma calça curta azul marinho, com impecáveis frisos de ferro à brasa, harmonizando com um suspensório marrom, cuja pressão fazia a calça entrar no vale das nádegas. O cívico figurino se completava com meias brancas na altura das canelas e a suntuosa conga azul de solado branco. A posição de sentido era a mais cruel, pois impedia a liberação da calça entre as nádegas.

Eu nutria uma paixão platônica por Glorinha. Em um daqueles dias cívicos, pude ouvir seu cochicho com a coleguinha: “a calça dele tá enterrada, hihihi”. Senti o calor da vergonha e do ódio queimando minhas orelhas. Era de praxe a diretora designar, semanalmente, um voluntário para declamar uma poesia cívica.

Certa feita, de posse daquele inseparável bastão, ela entrou em minha sala e seu olhar castrador me atingiu em cheio. Perdi a ‘continência’ de meus esfíncteres e soltei umas gotas. Para meu alívio, o olhar dela, dado seu estrabismo, se dirigia ao Toninho, do meu lado. Com tudo isso, aprendi a amar minha ‘Pátria’, embora não gostasse do ‘dia’. Hoje, tenho a sensação de que, para muitos brasileiros, ama-se mais o ‘dia’ por conta do feriado.