“Minha glória por Glorinha”

Por: Nelson Luiz Pereira

16/02/2021 - 18:02 - Atualizada em: 16/02/2021 - 18:59

O segundo episódio de “minha paixão infanto platônica”, lá no primeiro ano de escola, em Rio do Oeste – SC, só se apagará da memória quando minhas cinzas forem lançadas ao mar ou espalhadas num campo de girassóis. Então, a professora encheu a lousa de princípios caligráficos e ordenou que todos copiassem. Comunicou que se ausentaria por 15 minutos e ao retornar apagaria tudo. Sentado diagonalmente duas carteiras a frente de Glorinha, eu a observava refletida na porta de vidro do armário lateral, sem que ela percebesse.

Fiquei ali hipnotizado no retrovisor, contemplando aquela deusa menina. Não me dei conta de que o tempo havia voado. A professora entrou, apagou o quadro e passou a fiscalizar caderno por caderno. Como ato de desespero, fechei o meu. Nelson, deixe-me ver seu caderno, ordenou a castradora. Eu não consegui professora. O que ficou fazendo? É que eu… Já para frente, e de joelhos. Não, eu não vou ficar de joelhos lá na frente. Você escolhe: de joelhos na frente ou palmatória. Não vou. Ela foi até a mesa, abriu a gaveta e pegou o instrumento.

Humilhado com os dissimulados risos da classe, consegui de soslaio, captar o semblante de Glorinha. Era de apreensão. Senti que aquele poderia ser meu momento de glória com Glorinha. Decidi que não choraria. Abra a mão direita, sentenciou a carrasca. Com essa eu precisarei escrever, retruquei. É justamente pra você não esquecer enquanto escreve. Ela ergueu a palmatória e, como se fosse meu último desejo, dirigi um profundo olhar para Glorinha. Ela expressava pavor. No exato momento em que a torturadora desferiu o golpe, eu recuei a mão.

A palmatória escapou e a acertou o pé. Aquela cena provocou risos sufocados da classe. Ela, gemendo de dor, decretou que agora seria nas duas mãos. Alertou-me que, se voltasse a tirar a mão, dobraria a pena. Então, o estalo do primeiro golpe ecoou na sala. Senti que minha mão já não pertencia ao corpo. Prendi o choro, com ódio. Então, sem que ela ordenasse, eu ofereci, com suor nas têmporas, a mão esquerda. Se sentiu desafiada.

Incorporei aquela atitude como um ato suicida, e fixei meu olhar em Glorinha. Vi lágrimas em seus olhos. O segundo golpe foi mais dolorido. Fiquei imóvel com as mãos comprimidas entre as pernas, os olhos e dentes serrados. Cabisbaixo, sutilmente olhei para o armário retrovisor. Ela me observava com ternura. Senti o primeiro abraço virtual de minha vida, com as mãos inchadas, mas feliz.