“A paralisação de um país parado”

Por: Nelson Luiz Pereira

03/06/2018 - 12:06 - Atualizada em: 05/06/2018 - 10:03

A sociedade brasileira ainda sente atônita, os efeitos incalculáveis da legítima manifestação nacional dos caminhoneiros. O grito dessa brava classe ecoou por toda a Nação. Agora, baixada a poeira, tenta-se ajuntar os cacos, contabilizar as baixas dos dois exércitos (povo e governo), e seguir em frente pois outros confrontos virão.

Sabemos que essas incansáveis batalhas têm se dado com o intuito de despertar o ‘gigante’. Todavia, o recente embate nos mostrou que a força popular segue desagregada e sem unidade, com muitos inimigos em suas próprias trincheiras, movidos pelo ímpeto da ‘farinha pouca, meu pirão primeiro’. Vimos que, maculando a legítima bandeira dos impávidos caminhoneiros, revelaram-se as hienas oportunistas praticando preços abusivos sob a égide do livre mercado e bradando por intervenção militar, somando-se à essa corja, os rebeldes sem causa e baderneiros de plantão. São esses insanos que nos fazem massa de manobra, miseravelmente curvados sob o jugo de uma tirania ilegítima e imoral.

É isso que nos mantém sentados passivamente sobre o lídimo poder, mas anestesiados sob o juízo da “servidão voluntária”. E assim, esse exército popular malformado, assente a continuidade do sistema, na utópica expectativa de um futuro melhor.

Sempre quis entender esta nossa paradoxal condição de súditos detentores de poder, mas que não sabem usá-lo. Até aqui, a resposta mais coerente que tenho obtido, vem do pensador La Boétie ao sustentar que, “os homens nascidos sob o jugo, depois alimentados e educados na servidão, sem olhar mais à frente, contentam-se em viver como nasceram e não pensam que têm outros bens e outros direitos a não ser, os que encontraram”. Mesmo a contragosto, temos que admitir que, historicamente, nosso exército popular sempre se moldou bem a esse perfil descrito.

Obviamente que, dada as características próprias de povo latino, dócil e passivo, nunca pegaríamos em armas. Contudo, tenho insistido que há uma prática de rebelião poderosa, legítima e não violenta, que se coadunaria perfeitamente com o nosso perfil: a “desobediência civil”.

Este furor, segundo o mesmo La Boétie, ancora-se na seguinte razão: “sede resolutos em não querer servir mais e sereis livres. Não vos peço que o enfrenteis ou o abaleis, mas somente que não o sustenteis mais, e o vereis, como grande colosso do qual se retirou a base, despencar e despedaçar-se debaixo do próprio peso”. Sem desrespeitar a lei, essa seria a nossa rebelião ideal e adequada, podendo ser protagonizada, inclusive, por cada cidadão, sem risco ou ameaça, desde que organizada. Mas primeiro precisamos nos livrar dos inimigos de nossas trincheiras.

Me advém daí outras indagações: como se valer de tal mobilização social se nos acalentamos com filas quilométricas comprando produtos abusivamente majorados? Se não sabemos, sequer, o que reza o Art. 1º de nossa Constituição? Enfim, mais uma vez, o que conseguimos, em essência, foi paralisar um país parado.