“Diário de um câncer”

Foto Divulgação/OCP News

Por: Andreia Chiavini

04/10/2019 - 08:10

Tarde de maio, o envelope chega e nele está descrito o marco de uma história, um diagnóstico de câncer. Neste momento um buraco se abre diante dos pés, enxurrada de emoções e pensamentos. Dúvidas, medos e o questionamento, por que eu? O que foi que eu fiz? Simplesmente, a vida te transforma de um instante para o outro, num piscar de olhos.

A ansiedade gera sofrimento de vários dias, a espera corrói, os sentimentos oscilam. Angústia tremenda na espera dos resultados dos exames, do início das quimioterapias, das radioterapias, dos novos medicamentos que surgem. Dores pelo corpo, enjoos, sensações estranhas, dependência, receitas milagrosas, o olhar alheio de piedade, estar de frente com a morte. Rotina já não é mais a mesma.

O corpo sente, a mente principalmente. O psicológico é uma montanha russa invertida sem controle. Acorda triste, depois está feliz, tem coragem e o medo domina, está lindo e já não é mais. Perde o cabelo, se desconstrói da aparência que tinha, renasce aos poucos e aceita todas as mudanças físicas, é uma trajetória surreal.

O que se tem diante dos dias são grandes montanhas rochosas a serem escaladas sem segurança alguma. As unhas cravam em cada saliência para não cair e só se quer chegar ao topo. É uma batalha intensa, nada linear, constante e cheia de desafios.

A pessoa antes do envelope, não existe mais, não é mais a mesma, decide ou se obriga a ser outro alguém. Se esforça muito para conseguir fazer algumas das coisas que gosta, não era mais como antes, dores, cansaço, tudo é diferente. Não quer ser um diagnóstico, mas a versão melhorada, cheia de coragem, mergulhando de corpo e alma diante de uma imensidão de incertezas.

Aí o câncer ensina, somos tão pequenos, nada está no controle, o futuro é incerto e o único tempo que tem, é o agora. Sobrevive, supera, fica mais forte na dor, aprende a ser diferente com o próximo. O câncer é uma doença que não se entende e não deve ser entendida. Não dá para ser forte o tempo todo e se pudesse fugiria de tudo para não encarar mais a situação.

A permissão muda, chora como nunca havia chorado antes, olha para o céu como se olhasse para dentro de si. Não espera nada de ninguém. Uma porta para uma vida nova se abre, entra devagar e com vontade de não seguir. Não se sabe ao certo onde ela levará, nem o que aguarda lá no final. O caminho é sinuoso, o segue com ou sem dor, física ou da alma, vive um dia após o outro.

Abre os olhos e agradece, mesmo timidamente, por estar aqui, vivendo. São surpresas da vida. Descobre uma força que não sabia que tinha, uma vivência única, mesmo existindo milhares de casos iguais ou parecidos. Percebe que dor não se compara, se ampara. A escolha é encarar a luta ou não, permitir ou não o que câncer trouxe para ensinar.

É uma trajetória difícil, com histórias de superação, de resiliência após cada quimioterapia, a cada resultado de novo exame. O desconhecido sempre assusta e cá entre nós, não é para menos. Confesso que o aprendizado de lidar com o câncer é difícil, inexplicável, ainda mais quando ele não está em você. Ninguém quer ter câncer, não é uma escolha.

Diante de tudo, o aprendizado é um choque de realidade. As expectativas sempre machucam, manter o sorriso no rosto mesmo que o coração esteja em pedaços é desafiador. Antes de desistir, tente, tente, tente e tente de novo. O câncer causa uma mudança radical na vida, na aparência, mas nada se compara a mudança do olhar sobre a vida.

Antes de odiar, ame, antes de morrer, viva a vida e seja feliz, os dias bons são inesquecíveis e onde o olhar alcança se vê que a beleza existe. O que muda é a forma de aceitar o que nos é lançado. A luta é dos fortes!

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