“Telemedicina, Mais Médicos e 15% para a Saúde na pauta do CRM-SC”

Por: Pelo Estado

11/02/2019 - 10:02 - Atualizada em: 11/02/2019 - 10:54

Marcelo Neves Linhares é formado em Medicina pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), fez Residência Médica em neurocirurgia no Hospital das Clínicas da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Especialização em neurocirurgia funcional e estereotáxica no Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP) e no Departamento de Neurocirurgia da Universidade de Toronto, Canadá.

É doutor em cirurgia de epilepsia pelo Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (2005) e professor adjunto do Departamento de Cirurgia da UFSC.

Membro titular da sociedade Brasileira de Neurocirurgia, Sociedade Brasileira de Neurocirurgia Funcional e estereotaxia, membro da World Society for Stereotactic and Functional Neurosurgery e neurocirurgião na Clínica Neuron, em Florianópolis. Mais recentemente, no mês de outubro de 2018, ele assumiu a presidência do Conselho Regional de Medicina de Santa Catarina (CRM-SC), autarquia federal que com mais de 18 mil registros no estado. Mas, como garante o próprio Linhares, o CRM-SC não trabalha para os médicos e, sim, para a sociedade.

PeloEstado] – Na semana passada repercutiu bastante a Resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) sobre a prática da Telemedicina. O que motiva tanto debate?

Marcelo Linhares – Houve um movimento de crítica muito forte sem o devido conhecimento do conteúdo da resolução. O que o CFM está tentando regulamentar com essa resolução é uma coisa que já existe na prática, a indicação por meio das mídias disponíveis, desde a época do telefone e agora com o whatsapp.

Essa regulamentação já existe em outros países desenvolvidos. Acredito que se falou muito até sem saber exatamente do que tratava o documento do Conselho Federal.

[PE] – E do que exatamente tratava o documento?

Linhares – Um dos pontos mais polêmicos foi a avaliação à distância sem a presença de um médico. A utilidade desse procedimento é clara em um país como o nosso, com lugares muito remotos, como a Amazônia, que não tem um médico disponível todo o tempo. Pela Regulamentação, seria exigida a presença de um profissional da Saúde, não necessariamente um médico.

[PE] – Seria uma evolução e até uma necessidade.

Linhares – Certamente. A Telemedicina veio para ficar e isso e muito positivo. Mas, diante da repercussão, o Conselho Federal deu mais 30 dias para que a Regulamentação seja efetivada, entrando em vigor a partir de maio.

E nos próximos 60 dias, os conselhos regionais do Brasil inteiro poderão fazer reuniões, fóruns, audiências públicas, e enviar sugestões, fazer ponderações.

[PE] – Então não haverá o cancelamento da Resolução?

Linhares – Não. Inclusive hoje (quinta-feira, 7) teve um fórum em Brasília, para o qual o CRM-SC mandou representantes, para definir esses novos prazos. O que se demonstrou lá foi o exato papel da Telemedicina.

Algumas coisas são muito preocupantes, como, por exemplo, a questão do sigilo médico-paciente. Uma das coisas que se pretende é exatamente dar garantias para as duas partes nesse tipo de situação.

É preciso deixar claro que o Conselho Federal de Medicina. Assim como o Conselho Regional de Medicina de Santa Catarina, não existe para defender o médico. Sua função é defender, proteger, a sociedade a saúde.

[PE] – Na prática, como isso se aplica à Telemedicina?

Linhares – O que se quer é definir parâmetros e regras para, por exemplo, o caso de uma consulta à distância. Quais devem ser os cuidados, o que não se pode deixar de fazer. Da mesma forma com a avaliação de exames, prescrições com assinatura digital. É a aplicação da tecnologia da comunicação no cotidiano médico.

[PE] – Por que tanta reação?

Linhares – Acredito que pela maneira como foi feita a divulgação. Foi um assunto muito estudado dentro odo Conselho Federal, mas na hora de vir a público talvez tenha havido falha na comunicação. Logo tudo estará sanado, entendido. Até porque é uma Resolução bem-vinda.

[PE] – O documento não dispensa a figura do médico.

Linhares – Em nenhum momento isso é dito na Resolução, nem mesmo para a primeira consulta. O que ela trata é de situações práticas e que, como eu disse, já acontecem, mas sob risco para os dois lados.

Por exemplo: eu fiz uma cirurgia e o paciente precisa fazer o retorno. Mas antes disso ele quer mostrar algo de estranho na sutura, perguntar sobre a continuidade da medicação. Em boa parte das vezes essa comunicação é feita por telefone ou aplicativo de conversa como o whatsapp, de maneira informal e sem qualquer regramento.

[PE] – A nota lançada pelo CRM-SC no início da semana, tratando do assunto, acabou ficando inócua, então?

Linhares – Não, porque o que os conselhos regionais colocaram como posição que queriam ser ouvidos. A atitude do CFM foi muito bacana, digna e correta, de colocar para os representantes dos CRMs as justificativas para cada item da Resolução.

Além da abertura de um período de diálogo nos próximos 60 dias. De qualquer forma, a Telemedicina, ou Telesaúde, só acontece com a anuência das duas partes – o médico pode não querer e o paciente pode não querer. Não há uma obrigatoriedade.

[PE] – E não é uma relação só entre pacientes.

Linhares – É verdade. A prática mostra que a Telemedicina já acontece entre médicos e médicos, médicos e laboratórios, médicos e clínicas de imagem.

Sou um clínico geral e quero opinião de um especialista sobre o caso de determinado paciente Hoje, essa minha consulta é informal, a título de favor até.

Com a Regulamentação, o médico especialista terá participação e responsabilidade solidária sobre qualquer decisão que venha a ser tomada. A Resolução, reforço, é boa. Mas precisava de uma conversa melhor antes da publicação.

[PE] – A falta de comunicação com a sociedade é algo que o senhor pretende corrigir à frente do CRM-SC?

Linhares – O CRM é fundamental para a sociedade, mas a sociedade não conhece o CRM e suas atribuições. É uma organização ainda muito fechada e distanciada da sociedade.

Foi a segunda vez na história do Conselho catarinense que três chapas disputaram, justamente pelo entendimento de que algo precisa mudar. Desde a posse já tivemos a discussão em torno do Mais Médicos, agora vem a Telemedicina… o Conselho visa defender a saúde como um todo, e por isso trabalha na fiscalização e também na regulamentação.

Milhares de situações dúbias, infrações éticas. Nesse contexto, melhorar a comunicação com a sociedade é uma das nossas metas, a fim de mostrar o que eu disse antes, que nosso papel não é defender o médico, mas a sociedade.

Outra mudança que pretendemos é uma maior participação nas discussões dos problemas da saúde como um todo, função essencial e que se perdeu ao longo do tempo.

[PE] – Representantes do Conselho estiveram há pouco tempo com o secretário da Saúde, Helton de Souza Zeferino. Do que trataram?

Linhares – Foi uma conversa mais de apresentação, de início de relacionamento institucional. Mas aproveitamos para falar da destinação de 15% para a Saúde, sobre a receita do Estado, que já é lei e o atual governador (Carlos Moisés) está questionando.

É claro para nós que esse percentual garante maior qualidade para a saúde pública de Santa Catarina. Mas o governo não quer a obrigação pelo receio de punições no caso de não cumprimento.

Saúde é algo caro no mundo inteiro e os avanços tecnológicos não barateiam em nada. Ao contrário, só encarecem mais pela necessidade de atualização.

[PE] – O senhor falou do Mais Médicos. Como resolver o vazio deixado principalmente pelos cubanos?

Linhares – Primeiro é preciso dizer que os Conselhos eram contra pela falta de garantias e de comprovação quanto à formação desses profissionais. Não fomos contra a vinda, mas contra a forma como o programa aconteceu.

Para resolver a falta de profissionais no interior defendemos que se crie uma carreira de Estado para médicos, com garantias e possibilidades de progressão, salário digno e boas condições de trabalho.