“O Brasil tem que passar por uma reengenharia”

Fotos: Filipe Scotti e Marcos Campos/Fiesc

Por: Pelo Estado

13/08/2018 - 08:08 - Atualizada em: 13/08/2018 - 08:50

Na última sexta-feira (10), em Floriaópolis, tomou posse o novo presidente da Federação das Indústrias de Santa Catarina (Fiesc), Mario Cezar de Aguiar.

O ato foi prestigiado por inúmeras autoridades estaduais, a exemplo do governador Eduardo Pinho Moreira,  lideranças políticas e empresariais, como o presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Robson Braga de Andrade (à esquerda na foto).

Em seu discurso de despedida, o agora ex-presidente da mais poderosa entidade do setor produtivo catarinense, Glauco José Côrte (ao centro), desejou êxito a seu sucessor e foi homenageado com um resumo dos principais avanços de seu período.

Aguiar é empresário do setor da construção civil, primeiro vice-presidente da Fiesc desde 2011 e presidente da Câmara de Assuntos de Transporte e Logística da entidade. Graduado em Engenharia Civil (UFSC), é especialista em Construção Civil (FURB), em Marketing (Univille) e em Gestão Empresarial (Pensylvania State University), além de ser professor licenciado do curso de Engenharia Civil da Udesc.

Já presidiu a Associação Empresarial de Joinville (ACIJ), o Sinduscon de Joinville por duas oportunidades e a Câmara Estadual da Indústria e Construção. Também fundou e presidiu o Serviço Social da Construção Civil de Joinville (Seconci), foi conselheiro da Usimed e da Unisociesc. É conselheiro do Instituto Core e membro do Conselho do Centro de Engenheiros e Arquitetos de Joinville.

Nesta entrevista exclusiva à Coluna Pelo Estado, o novo líder industrial catarinense falou de seus objetivos, suas preocupações e das urgências para o desenvolvimento do estado de Santa Catarina.

  [PeloEstado] – O senhor já tem um profundo conhecimento e muita vivência na Fiesc. O que pretende realizar, agora como presidente?

Mario Cezar de Aguiar – Estou na diretoria da Federação há 19 anos. Estive na gestão do Faraco (José Fernando Xavier Faraco), do Alcantaro (Corrêa). Na sequência fui convidado pelo presidente Glauco (José Côrte) para compor a chapa dele como primeiro vice-presidente. E foi nesta gestão que eu tive essa maior atuação na Fiesc, com a oportunidade de presidir uma Câmara, de compartilhar comigo as discussões e as decisões referentes à condução da entidade.

Acredito que isso me credencia a presidir a Fiesc nos próximos três anos. A minha proposta de trabalho é de continuidade, até porque eu sou da chapa da situação. Temos o Plano Estratégico, previsto até 2022, e vamos dar continuidade ao exitoso trabalho que a gestão do presidente Glauco teve à frente da Federação das Indústrias.

[PE] – Mas algumas mudanças sempre ocorrem…

Mario Cezar – Sim, até pela questão de mudança de ambiente externo, que exige adequações. Mas a base permanecerá. Por exemplo, vamos continuar focando muito na inovação. Hoje a indústria passa por um momento de transformação muito significativo, que é a inserção na indústria 4.0. Também vamos dar uma atenção especial para a internacionalização das nossas empresas.

Nossas empresas, no país, de um modo geral, têm pouca relação com o mercado internacional. Mas, pela capacidade e pela qualidade das nossas indústrias, nós, de Santa Catarina, temos que ter uma inserção muito maior no mercado internacional. Outro ponto que receberá atenção significativa é a infraestrutura que, aliás, é um trabalho que eu já vinha desenvolvendo aqui na Fiesc. É a base do desenvolvimento para todo o estado de Santa Catarina. É um estado que tem recebido muito pequeno do governo federal.

[PE] – Esta é uma reclamação comum a todos os setores. O que fazer?

Mario Cezar – É que, embora sejamos um estado pequeno, nós produzimos muito e somos a sexta economia do país. Mas não temos tido a resposta do governo federal. Nós temos dito insistentemente que há uma injustiça do governo federal contra Santa Catarina.

Não só injustiça, mas uma falta de inteligência não aplicarem recursos federais aqui, porque é um estado que dá uma resposta muito boa para a Nação. Nosso papel vai ser pressionar as autoridades no sentido de ter um olhar mais atento para Santa Catarina. Vamos mostrar as necessidades do estado, alertando para o que ocorre aqui. Com o apoio da Fiesc, será possível agregar toda a sociedade para discutir esses problemas e cobrar dos nossos representantes políticos uma intensidade maior na busca de recursos para investir na nossa infraestrutura.

[PE] – Voltando ao tema internacionalização, o que está sendo planejado?

Mario Cezar – Exatamente. Nós já estamos montando uma estrutura, uma equipe especializada da Fiesc para dar suporte às empresas, notadamente às pequenas e médias, para que elas tenham acesso ao mercado internacional. E quando falo isso, não me refiro somente à exportação, mas também à importação, desde que venha trazer benefícios para o setor produtivo.

Nós defendemos uma economia de mercado, a livre iniciativa, e não seria coerente criar barreiras para que possamos importar, mas, como eu disse, desde que sejam equipamentos e produtos que venham agregar valor para o produto catarinense e não para concorrer com os nossos produtos. Não queremos uma importação predatória. Queremos, sim, desenvolver a nossa indústria para que ela seja mais competitiva, oferecendo produtos de melhor qualidade. Isso só se consegue abrindo para o mercado internacional.

[PE] – Mudança de paradigma?

Mario Cezar – De certa forma, sim. Vamos trabalhar com medidas de curto, médio e longo prazo. O nosso Observatório da Indústria gera muitos dados e a partir deles poderemos identificar quais as demandas que as nossas empresas têm e quem as poderá atender e quais as demandas lá de fora que nossas empresas estarão aptas a atender.

Nós vamos despertar as empresas sobre o seu potencial para se inserir no mercado internacional. Depois vamos tratar de entender bem o mercado que se quer abrir, as questões legais, os pontos a serem melhorados em nossos produtos e nas próprias empresas para que haja uma relação bem sustentável.

[PE] – Esse esforço vida a diversificação da pauta de exportação catarinense?

Mario Cezar – Santa Catarina, hoje, movimenta praticamente 20% de todos os contêineres do Brasil. Mas isso ocorre em função das várias trades que estão instaladas aqui. Quando eu falo em internacionalização, me refiro em internacionalizar a nossa indústria. Nós temos na nossa pauta de exportação, por exemplo, as carnes de aves e suínos, motores elétricos, compressores… é uma pauta já bem diversificada, o que, aliás, é uma característica do estado. Mas temos muitas empresas que atendem só o mercado internacional e, eventualmente, o Mercosul, mas que têm um potencial enorme, qualidade e condições para atender a um mercado globalizado.

[PE] – O senhor assume a presidência da Fiesc às vésperas de eleições gerais. O que espera para o país a partir de 2019?

Mario Cezar – Nós sabemos do déficit fiscal do país e serão necessárias reformas estruturantes para equacionar esse problema. Isso passa por mexer no tamanho do Estado e em sua eficiência, por se resolver a questão da isonomia, lembrando que hoje nós temos uma distribuição de receitas muito desigual. Nosso estado recebe muito menos do que outros e somente 15% do que recolhemos para a União volta para nós. É preciso ter equilíbrio e vamos reivindicar essa isonomia. Não é em benefício de Santa Catarina, mas do país, porque certamente nós damos retorno muito rápido se os investimentos vierem para cá.

[PE] – O que é mais urgente a ser feito pelo país?

Mario Cezar – O Brasil tem que passar por uma reengenharia. Começar do zero. Porque nós temos tudo para ser um grande país: potencial turístico, sol, água, terra agricultável, uma população trabalhadora que ainda está dentro do bônus demográfico, ainda que caminhe para o envelhecimento. Isso é possível?

Acredito que sim, mas por uma decisão política séria. Não podemos continuar investindo em um modelo que vem se mostrando fracassado. Não podemos continuar combatendo somente os efeitos sem mirar nas causas. Por isso defendo que, hoje, no Brasil, a reforma mais importante e urgente é a reforma política. Não se pode, por exemplo, trabalhar por uma reforma tributária agora, com um Estado obeso, inchado. O tributo é alto porque o Estado é ineficiente.

É preciso atacar a causa, corrigir o Estado, tirá-lo do papel de intervenção na economia, diminuir seu tamanho e, aí sim, será possível reduzir gradativamente a carga tributária. Mas já é possível simplificar a questão tributária, o que vai trazer efeitos positivos imediatos para o setor produtivo.

[PE] – Quais os investimentos mais urgentes?

Mario Cezar – Posso citar, por exemplo, adaptar os nossos portos para que tenham condições de receber navios maiores, que é uma tendência; concluir os projetos de engenharia das ferrovias para posterior execução; e, sem sombra de dúvida, o que trato como mais urgente, melhorar as nossas rodovias. A ferrovia é um projeto de mais longo prazo, assim como os portos. Mas rodovias tem que ter uma ação imediata.

Temos alguns corredores que são estruturantes para o estado. Os corredores das SCs 163, 282, 470 são fundamentais. A mesma coisa as BRs 280 e 285. A própria BR-101, que já está concessionada, precisa ser repensada, porque já está com sua capacidade esgotada, principalmente nas regiões Norte e Grande Florianópolis.

[PE] – Em todos os casos há dependência do governo federal, que não dá a devida atenção a Santa Catarina.

Mario Cezar – Tem que haver uma pressão de toda a sociedade para que se olhe com carinho para a questão das nossas rodovias. Sabendo das dificuldades de investimentos, nós fomos uma das primeiras entidades a reconhecer a necessidade de se fazer parcerias público-privadas (PPPs) e concessões das rodovias. Sempre com um detalhe, que pode parecer pequeno, mas é extremamente importante: tanto a concessão e as PPPs devem ser percebidas como um benefício para a sociedade. Traduzindo isso, defendemos que é preferível você pagar um pedágio, com valor compatível, é claro, para ter uma rodovia com mais segurança e melhor condição de trafegabilidade, do que ter uma rodovia insegura, congestionada, o que acaba sendo muito mais oneroso para o Estado.

[PE] – Mas existem pedágios no país a preços absurdos e que também encarecem a logística.

Mario Cezar – Existem várias formas de se ter um valor adequado do pedágio. Você pode estender o prazo de concessão, por exemplo. A Fiesc está propondo a mudança de modelo de cobrança de pedágio na BR-101. Hoje é um modelo de praça fixa e estamos propondo a cobrança por quilômetro rodado, o que nos parece mais justo, porque o usuário vai pagar só o equivalente ao que rodar na rodovia. A tecnologia para isso já está disponível no mundo e o que tem que adequar agora é o ajuste jurídico do contrato com a concessionária.

Santa Catarina já propôs essa mudança e a ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) já deu o sinal verde para se fazer o estudo para futura implantação. A Fiesc está coordenando um grupo de estudo com empresas especializadas, para analisar não só as questões técnicas, como também as jurídicas.

[PE] – Vai ser mais uma luta. Como manter esse espírito diante de tantas frustrações causadas pela falta de investimentos em volumes adequados da parte do governo federal?

Mario Cezar – Nós somos uma entidade que representa o industrial. E o industrial, para permanecer no país, é porque é um guerreiro, uma pessoa que acredita naquilo que faz, que não desanima e que está disposto a enfrentar as dificuldades. Da mesma forma, a Federação das Indústrias acredita que nós temos uma vocação, como estado e como país, para estarmos entre os melhores do mundo. Por isso nós defendemos as reformas, para que realmente esta vocação, que é própria do Brasil, país que tem todas as condições para ser um país superdesenvolvido, se concretize. A esperança de ver isso acontecer nos mantém na busca por soluções.

[PE] – O senhor assume como presidente depois de um período como vice da Fiesc. Já tem uma relação construída com a CNI?

Mario Cezar – Conheço as pessoas, mas até agora era o presidente Glauco quem estava na linha de frente. Agora é que vou começar a construir essas relações. Entretanto, nós temos uma vantagem: ter o presidente Glauco como vice-presidente da Confederação para a Região Sul. Já fizemos reunião com todas as federações da região, tratando de temas e demandas comuns.

Vale dizer que o estado de Santa Catarina possui o quarto parque industrial brasileiro e é um dos mais industrializados do país. É claro que está credenciado para receber toda a atenção da CNI, como, aliás, vem recebendo. Dentro da CNI, nossas Casas – SESI, Senai e IEL – são referências como entidades que desenvolvem  um trabalho de excelência.

[PE] – O que prevê para as relações institucionais, com governo do Estado, Assembleia Legislativa e Fórum Parlamentar Catarinense?

Mario Cezar – Nós entendemos que para uma indústria se desenvolva o ambiente em que ela está inserida deve ser saudável. E para que isso ocorra é importante que a entidade que representa este setor tenha facilidade de acesso a todos os poderes públicos, seja Judiciário, Legislativo ou Executivo. Essa relação tem sido muito bem conduzida e nós vamos dar continuidade. É importante a sinergia entre privado e público. É uma relação que deve ser harmoniosa, mas que de fato represente os interesses da indústria e da sociedade catarinense.

[PE] – Um dos destaques da gestão Glauco Côrte foi a educação com fim na produtividade e na competitividade. O senhor vai manter esse trabalho?

Mario Cezar – É um dos pilares do nosso plano estratégico e será continuado. É indiscutível que a educação é base fundamental para que tenhamos um país desenvolvido. Os modelos que temos mostram isso. Cingapura e Coreia do Sul, quando resolveram elevar o padrão da educação, deram um salto significativo de desenvolvimento.

E nós, com o Movimento Santa Catarina Pela Educação, com participação de diferentes entidades, alcançamos um incremento importante no nível de escolaridade dos trabalhadores da indústria. Com as novas tecnologias, com a chegada da indústria 4.0, vai ser necessário melhorar ainda mais o nível de formação dos trabalhadores. Nós queremos motivar que as outras entidades participem, com o mesmo empenho que a Fiesc, para que se possa ter um resultado assim em todos os setores.