“No subjetivo compasso da saudade”

Foto Arquivo Freepik

Por: Ana Kelly Borba da Silva Brustolin

17/07/2020 - 14:07 - Atualizada em: 17/07/2020 - 14:31

Recentemente, 28 de março de 2020, fui convidada pelo estudante de jornalismo da Faculdade SATC, Richard Vieira, para refletir e discutir a respeito do vocábulo saudade. Confesso que aceitar ser entrevistada para discorrer sobre esta temática foi uma tarefa desafiadora. Mas, não nego, adoro desafios! Aprendo com eles, e, por meio da interação acerca deste assunto com outros profissionais, também formo (em construção) meu ponto de vista.

A palavra saudade proveio do latim solitas, solitatis, por meio das formas arcaicas soedade, soidade e suidade, sob a influência de saúde e saudar. Solitas, em latim, significa “solidão”, “desamparo”, “abandono”, do que derivam algumas das acepções da palavra.

Do dicionário Michaelis: “sau·da·de, sf., 1 Sentimento nostálgico e melancólico associado à recordação de pessoa ou coisa ausente, distante ou extinta, ou à ausência de coisas, prazeres e emoções experimentadas e já passadas, consideradas bens positivos e desejáveis; sodade, soidade”. E: “saudades, sf. Pl., Lembranças ou cumprimentos afetuosos de quem sente a ausência de outrem. ETIMOLOGIA: alt do lat solitatem”.

O “Dia da Saudade” é comemorado anualmente em 30 de janeiro, no Brasil. Na gramática, saudade é considerado um substantivo abstrato – tão abstrato que, para alguns, tal palavra é exclusiva da língua portuguesa.

Agora, buscando respostas à pergunta feita pelo entrevistador Richard, estudante de jornalismo, em relação ao vocábulo ser específico do português temos de compreender que as línguas são dinâmicas e os falantes possuem a competência linguística para exteriorizar uma mesma ideia de “saudade”, ainda que com mais de uma palavra.

Assim, as pessoas, no geral, veem os acontecimentos de modo semelhante, porém interpretam de maneiras distintas, de acordo com os seus valores axiológicos e sua concepção de mundo.

No que tange à utilização do termo saudade, este pode aparecer tanto no singular quanto no plural, mantendo o mesmo sentido, o que sucede também com parabém, pêsame, felicidade, entre outras, que aos poucos passaram a ser empregadas no plural.

Lembrança que nos deixa saudáveis

Lembro-me de já ter ouvido o filósofo Mário Sérgio Cortella (em uma palestra no Colégio Policial Militar Feliciano Nunes Pires, em Florianópolis) falar que “saudade” seria algo que nos deixa saudáveis, ou seja, que permita fazermos uma saudação […] Já a lembrança que faz sofrer, denominamos de “nostalgia”, e não de saudade. Compartilho da visão e interpretação do filósofo. Mas aí jaz um sentido carregado de interpretação para a palavra e os contextos atinentes a ela…

Acredito que, quando se profere que saudade é uma palavra exclusiva da língua portuguesa, nesse sentido, com essa expressão, talvez, sim, ela seja única (será?); contudo a palavra saudade vive em outras línguas com outros significados. Em inglês temos “I miss you” – eu sinto sua falta, no sentido de eu te perdi. Em francês a imagem de “souvenir”. “Te extraño”, em castelhano, e assim por diante.

Há, aparentemente, uma carga semântica de sensações positivas relacionadas ao termo. Avalio que seja mais prazeroso e faça mais sentido dizermos: “que saudade dessa época!”, ou “que saudade boa carrego dentro do meu peito” – indicando uma ligação positiva entre o sentido da palavra e a lembrança.

Parece-me haver certa carga semântica positiva no emprego da palavra na construção: “não tenho nenhuma saudade dessa época”, como se o sujeito falante não quisesse usar o termo em destaque para a conotação ruim, inclusive a negação está posta na frase antecedendo o termo saudade.

Ou, ainda, em “quero matar essa saudade que me corrói”, onde notamos a presença do verbo “matar”, no intuito de romper com a dor, aniquilando-a (se não puder retomá-la) ou reaproximando-se do vazio permanente de uma ausência, isto é, reencontrando algo ou alguém.

Há de se comentar, também, que esperamos que a saudade nos visite de vez em quando, pois ela é um sentimento favorável ao sacolejo de outros sentidos e, inclusive, motiva criações de escritores e artistas, em geral.

Por exemplo, na composição, Chega de saudade; um tema com letra de Vinicius de Moraes e música de Antônio Carlos Jobim, composto em 1956, tem-se no término: “Que é pra acabar com esse negócio de viver longe de mim. Não quero mais esse negócio de você viver assim. Vamos deixar desse negócio de você viver sem mim”.

Em Onde anda você (letra de Vinicius de Moraes): “E por falar em saudade, onde anda você, onde andam os seus olhos que a gente não vê”… Quanto ao romântico Casimiro de Abreu, em Meus oito anos, trouxe “Oh! que saudades que tenho da aurora da minha vida, da minha infância querida que os anos não trazem mais!”

Para fechar a sequência de algumas criações artísticas que fazem (bom) uso do termo, remeto-me ao poema Saudades…, de Fernando Pessoa, em que o poeta escreve “um dia a maioria de nós irá se separar. Sentiremos saudades de todas as conversas jogadas fora, as descobertas que fizemos, dos sonhos que tivemos, dos tantos risos e momentos que compartilhamos”.

Capítulos de um livro

Assim, sentir saudade faz parte da nossa maturidade pessoal, visto que sentir esse vazio permanente de uma ausência se faz necessário para tomarmos novas direções na vida. Na obra “O livro sobre nada” (1996), Manoel de Barros escreveu: “tem mais presença em mim o que me falta”.

Particularmente, aprecio observar o mundo: as pessoas, os fatos, os cenários, as relações entre outros. Parece-me vital que o ser humano sinta falta de algo; seja de pessoas ou de momentos passados já experimentados.

Dessa maneira, vamos colecionando páginas das nossas vidas ao longo do percurso terreno. Nelas preservamos determinados encontros e determinadas vivências com zelo e ternura, no entanto, estes são capítulos de um livro de nossas vidas, no qual, cremos que há, ainda, muitas linhas para serem escritas.

Nesse ínterim, “saudade” caracteriza-se por uma emoção arrebatadora de algo; um “amor que fica”, sendo capaz de nos proporcionar um olhar inestimável para trás, refletir e, muitas vezes, desejar o já vivido novamente perto, pois ele marcou intensamente o nosso caminhar até aqui. Por fim, nenhuma palavra revela o bastante essa mescla de emoções que é a saudade. Fico (ficamos), portanto, com a minha, “a nossa” saudade!

Ficou curioso em pensar sobre o assunto? Se sim, convido-o a ouvir o episódio completo, intitulado “Saudade: um passado em aberto”, produzido pelo estudante de jornalismo Richard Vieira, clicando aqui.

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