Por Francine Sevignani
Jornalista e mãe atípica
Novembro, marcado pelo Dia Internacional para a Eliminação da Violência contra as Mulheres, registra nove feminicídios e se torna o mês mais letal do ano para as mulheres em SC.
Catarina Kasten, 31 anos, foi encontrada morta na última sexta-feira (21), na região da Praia do Matadeiro, em Florianópolis. Ela havia saído de casa por volta das 7h para uma aula de natação. O suspeito teria cometido estrangulamento e violência sexual, antes de abandonar o corpo da jovem na mata. A trilha era de curto percurso, sinalizada e bem movimentada por turistas e moradores da região. E nem a “luz do dia” foi capaz de impedir que tal barbárie ocorresse.
Catarina, que por uma coincidência da vida, também leva o nome do único estado brasileiro com nome de mulher, o nosso, é agora apenas mais uma vítima das estatísticas. Segundo dados divulgados pela Polícia Civil, já são nove feminicídios cometidos ao longo do mês de novembro no Estado. O total de mortes faz deste mês o mais violento do ano na comparação com dados do Observatório de Violência contra a Mulher, atualizados até outubro. Oficialmente, já são 38 feminicídios confirmados.
Os números revelam ainda mais. Nos primeiros nove meses do ano, foram registrados 54.144 casos de violência contra a mulher no Estado, incluindo 343 estupros. Já as tentativas de feminicídio somaram uma média de quatro vítimas por semana entre janeiro e junho deste ano. Um cenário preocupante, desesperançoso e, principalmente, negligenciado pelo poder público e por todos nós.
A violência contra a mulher é histórica, enraizada e mata todos os dias. Mesmo assim, diante de tantos números que comprovam a realidade, há quem diga que falar sobre isso não passa de “exagero”. Há quem diga que datas como o Dia Internacional para a Eliminação da Violência contra as Mulheres não passam de “bobagens”. Há quem diga que a responsabilidade é da própria vítima.
A culpa é nossa
Como mulher, os sentimentos de impotência, injustiça e medo me acompanham todos os dias. O de culpa ainda mais.
Quem mandou Catarina se arriscar numa trilha sozinha, mesmo de dia? Quem mandou Sara ter o “dedo podre” para escolher homens? Se Patrícia estivesse armada teria evitado o estupro. O que Thalia fez para provocar?
A verdade é que não importa quantas mulheres sejam violentadas e mortas, a responsabilidade, de um jeito ou de outro, é sempre delas. É sempre nossa.
Culpam-nos por escolher o homem errado, o pai errado para os nossos filhos. Culpam-nos por provocar, por usar roupas curtas demais, por exagerar, por não se comportar. Por rir alto, falar alto, até por ser gentil.
Quando não vamos embora, nos culpam “porque gostamos de apanhar”, ou porque “usamos nossos filhos como desculpa”. Mas, quando vamos, nos julgam “irresponsáveis”, afirmando que “queremos apenas nos aventurar”. Culpam-nos mais e mais vezes.
Em um país, onde a vítima é sempre a culpada é difícil manter a cabeça erguida. É difícil ser mulher. É difícil estar viva. É impossível ter esperança.
Sinto muito Catarina. Sinto muito por todas que já se foram e por todas que ainda, infelizmente, irão. Quem sabe um dia, o poder público perceba que não é a vítima quem precisa aprender a se defender. Quem sabe um dia, o sistema seja de fato eficiente. Quem sabe um dia estes números sejam o bastante para a sociedade como um todo perceber o quanto ainda precisa ser feito para combater a violência contra a mulher.
Quem sabe um dia, a culpa não seja nossa.