Guerras, desastres naturais, mudança de regimes políticos, fome e miséria. São inúmeros os fatores que retiram famílias inteiras de suas pátrias de origem para buscar reconstruir suas vidas em outro País. Por conta disso, o último domingo de setembro foi atribuído como o Dia Internacional do Migrante e Refugiado.
Data que lembra a jornada de pessoas como os venezuelanos Ramon Hernandes, 71 anos, Luiz Hernandes Del Vale, 33, Alícia Rojas, 56, e das haitianas Mirlande Louis Michel, 33, Belienne Fils,33 e Mirthelle Pierre Paul, 30, e de sua filhinha de apenas 1 ano, Abigail. Estrangeiros de dois países distintos que encontraram em Jaraguá do Sul um porto seguro para recomeçar. Nas dependências do Centro de Referência de Assistência Social (Cras) do bairro João Pessoa, o grupo fez relatos sobre os motivos que os trouxeram para cá em busca de dias melhores.
Depois de 31 anos de serviços e aposentado como funcionário da indústria petroleira em seu país, Ramon Hernandez se viu obrigado a deixar sua cidade natal, Maturin – localizada a 500 KM da capital Caracas – junto com sua família.
“Chegou um momento que a inflação ficou muito alta por lá e o salário que ganhávamos não era suficiente para cobrir as despesas da família”, relembrou.
Ele veio ao Brasil com sua esposa, três filhos e oito netos.
Mesmo caminho tomou seu conterrâneo Luiz Hernandes Del Valle. Com formação de tecnólogo em química, ele atuou na área de produção da indústria petroquímica venezuelana por 15 anos.
“Em 2018, fui para a Argentina onde morei três anos e estou aqui há um ano e meio com minha esposa e nossos três filhos. Depois de trabalhar em uma empresa de transporte em Schroeder, agora estou numa indústria aqui em Jaraguá. O importante é que hoje tenho segurança e estabilidade para criar nossos filhos. O próximo passo é sair do aluguel e buscar nossa casa própria como tínhamos na Venezuela”.
Há seis anos, a então secretária Mirlande Louis Michel, deixava o Haiti, país que ainda não se recuperou do terremoto de 2010 que devastou o país e deixou um saldo superior a 300 mil mortos com mais 1,5 milhão de flagelados. Em Jaraguá, trabalhou como auxiliar de cozinha em restaurantes e na Apae. Já seu marido atua em uma empresa em Schroeder de onde provém o sustento dos seus filhos, sendo que um deles, de 12 anos, conta uma deficiência.

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“Estou bem. O importante que aqui consigo dar toda a assistência ao meu filho, algo que não era possível no Haiti”, explicou
Já Belienne estudou Administração e seu marido Direito no Haiti.
“Mesmo assim, a gente não conseguia emprego lá e resolvemos vir para o Brasil”, emendou.
Desse grupo, quem está a menos tempo em Jaraguá do Sul é a costureira, Alicia Rojas, que chegou ao Município há apenas seis meses.
“Nossa primeira opção foi por São Paulo. Confesso que não me adaptei muito ao metrô. Foi quando um amigo nosso recomendou que viéssemos para Jaraguá que segundo ele, era bem mais tranquilo, tanto para morar, como para trabalhar”, lembrou.
Demanda – A pedagoga do Cras João Pessoa, Fernanda Azevedo Gomes, acredita que pelo fato do bairro ser uma das portas de entrada da cidade, boa parte dos estrangeiros que chega a Jaraguá do Sul acaba se instalando nesta região. De janeiro a agosto, a unidade do Cras recebeu 22 grupos familiares de outros países aproximadamente, como Haiti, Venezuela e até do Paraguai.
Relata ainda que essas pessoas normalmente trazem consigo não só os sentimentos gerados pelas situações vividas em seus países, mas principalmente a esperança por melhores dias com emprego, moradia e escolas para seus filhos.
“Os pais normalmente vêm na frente e quando surge uma nova oportunidade de emprego trazem seus filhos e demais familiares”. Explicou.
Quando essas pessoas chegam no município, entram em contato com o Cras e a equipe técnica faz o levantamento das demandas da família e auxilia no processo de documentação dos migrantes, que é feita toda online, para depois encaminhá-los para a Polícia Federal para retirar seus novos documentos.
Para contribuir nesta integração ao novo lar, também é mantido um grupo formado somente por estrangeiros atendido pela Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família (Paif) do próprio Cras, assistidos por uma assistente social e uma terapeuta ocupacional. Nestes encontros são trabalhadas as histórias de vida, seus enfrentamentos, sonhos, peculiaridades de cada pais, acesso a direitos como saúde, educação, benefícios socioassistenciais, esclarecimentos sobre as leis brasileiras dentro de suas necessidades, no sentido de inclusão e integração social.
“Recentemente, tivemos a atividade do serviço de convivência e fortalecimento de vínculos, na qual alguns estrangeiros participaram da festa junina. Na ocasião vieram, provaram as comidas típicas. Acharam muito engraçado comer milho doce como canjica (risos) e que eles não conheciam”, relembrou a pedagoga.
“Essas trocas são bem importantes para esta integração”.
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Para a supervisora do Cras João Pessoa, Tânia Aparecida Furtado de Sousa, é importante destacar que este é um dos públicos prioritários da assistência social, a qual busca ampliar o acesso dos usuários aos bens e serviços socioassistenciais.
“Segundo a Constituição Federal de 1988, a Assistência Social como política de proteção social objetiva garantir, a todos que dela necessitem e sem contribuição prévia, a provisão dessa proteção. Portanto, o cuidado, a busca da autonomia e a prevenção à insegurança familiar e social é o que norteia o trabalho do Cras. Entendemos que pelo fato de saírem do seu país na expectativa de qualidade de vida melhor, já fazem deles protagonistas e neste sentido, o nosso papel é emponderá-los ainda mais com informações, orientações e encaminhamentos para enfrentarem às resistências e os preconceitos sociais existentes, na intenção de atingirem suas expectativas”, argumentou.
No colo da mamãe Mirthelle, a pequena Abigail acompanha tudo atentamente enquanto brinca com brinquedos da sala onde ocorreu a entrevista. Com apenas um ano, a filha de haitianos ainda não tem noção de que representa a esperança de um recomeço para migrantes e refugiados em outros países.