Basta caminhar pelos corredores da pequena sala para ser transportado a uma viagem no tempo — e pelo mundo, em suas diversas épocas. Nela, o jaraguaense Célio Eisenhut guarda 82 mil exemplares de maços de cigarro. Cada um é único, vindo de um lugar diferente e de uma época distante. Na segunda-feira (6), outras 280 mil caixinhas chegaram para compor o estoque. Com isso, Célio se torna, com folga, o maior colecionador de maços de cigarro do mundo.
Ao total, os 360 mil maços vêm de 280 localidades distintas: os 193 países reconhecidos pela ONU e outros territórios que, perdidos no tempo, têm nestes objetos uma prova histórica da própria existência.
Observando a disposição das caixas, posicionadas ante vidraças transparentes e devidamente catalogadas, com plaquinhas sinalizando o país de origem, tem-se a sensação de ver o próprio planeta como a quem vê uma maquete: os cigarros soviéticos posicionados frente aos do 3º Reich, observados à esquerda pelos norte-americanos. Como num ensaio a um dos períodos mais sombrios da história contemporânea.

Cigarros de marcas soviéticas, possivelmente fumados durante os anos da Cortina de Ferro. (Foto: Bruno Gallas)
Poucos passos à frente, um lembrete dos sopros breves da história. Por trás da plaqueta sinalizando o antigo império Austro-Húngaro, carteiras exibindo o rosto do antigo imperador Francisco I . Como numa linha lógica, seguido à direita por exemplares da Checoslováquia, país formado após a queda do império. Por fim, dispostos ao lado, colecionáveis vindos diretamente da República Tcheca, Estado consolidado após a dissolução da antiga Checoslováquia, em 1 de janeiro de 1993.

Marcas que atravessam a história. (Foto: Bruno Gallas)
É dessa região, inclusive, que veio o maço mais antigo: a marca é datada de 1852. Na época, o cigarro só era consumido nos castelos, por reis e imperadores.
Em um metro de espaço, 200 anos de história.

Marcas egípcias estampam Cleópatra, faraó da antiguidade. (Foto: Bruno Gallas)
Os itens ainda contam embates geopolíticos por si só: “Recebi há alguns anos um cigarro da época da Palestina, de antes da criação de Israel. Essa marca o nome está em hebraico. Está escrito ‘liberdade’”, diz Célio.
Entre tantos maços e gravuras, fica a pergunta: há um favorito? Para responder, o novo recordista mundial foi enfático.
“Sou fanático em marcas em latas. Elas começaram a ser fabricadas para imperadores e condes… Tenho da princesa Elisabeth II, tenho a marca comemorativa da Copa de 1958, com Pelé e Garrincha estampados… são marcas históricas. Gosto das marcas em lata pois eles mostram a história”, afirma.

Caixinhas expostas em caixas são as mais antigas da coleção. (Foto: Bruno Gallas)
Novos exemplares chegam à coleção
Um coquetel entre amigos marcou a chegada dos novos 280 mil maços que comporão a mostra de Célio. São exemplares do Leste Europeu, Ásia e Europa Central. Todos vêm do antigo portador da maior coleção desses itens do mundo, residente da Hungria, que há muito correspondia com Célio através de cartas.
Todavia, foram muitos os entraves até que as embalagens finalmente chegassem a Jaraguá do Sul. A começar, enquanto uma das filhas do europeu acatou à ideia de que as embalagens viessem para cá, a outra queria que ficassem na Europa. Foi só quando o próprio pai manifestou seu desejo que ela finalmente aceitou.

Foto: Bruno Gallas
De acordo com Rogério Bollauf, consultor tributário e braço direito de Eisenhut nesta empreitada, houve uma vontade do próprio húngaro de que a coleção ficasse com Célio.
“Ele acabou tendo uma piora no quadro clínico de Covid e sabia que essa coleção precisava ir para algum lugar. Já nos últimos dias antes de sua morte, escreveu uma carta com todas as letras dizendo que desejava que sua coleção ficasse com ‘o Célio, do Brasil’”, diz Bollauf.
Ainda, houve forte resistência do próprio governo húngaro para que tudo ficasse no país. Bollauf explica que, por se tratar de um acervo histórico mundial localizado naquele território, havia grande interesse de que por lá ficasse. “Houve ofertas até mesmo para um museu. Realmente não queriam que o material saísse de lá.”

Marcas chinesas e do extremo-leste asiático também compõem a mostra. (Foto: Bruno Gallas)
Outro problema encontrado teve origem nas barreiras alfandegárias entre os dois países.
“Você não consegue trazer uma coleção sem atender a parte jurídica tanto do país de origem quanto ao país de destino, independentemente da vontade das pessoas que querem fazer isso. Então tínhamos dois obstáculos: sair de lá e entrar aqui”, explica.
O fato se dá em decorrência de que, na Hungria, as legislações impedem o transporte de qualquer produto feito com tabaco para outros lugares do mundo.
Rogério foi o responsável por lidar com toda a documentação e trâmites dos materiais entre um país e outro. Empolgado com a participação nessa conquista, diz que “dei sorte de ter cruzado o caminho do Célio e ele deu sorte de encontrar alguém tão doido quanto.”

Foto: Bruno Gallas
O início de tudo
Para chegar ao número de 380 mil, é preciso começar com o primeiro. Adquirido em Joinville, mas vindo diretamente dos Estados Unidos, o maço da marca Half and Half foi o primeiro a integrar a coletânea em 1969. O produto data do início do século 20.
A empreitada começou ali, na maior cidade do Norte catarinense, com um boato de que a Souza Cruz daria uma cadeira de rodas para quem juntasse 500 carteiras de cigarro. 268 caixas depois, o rumor foi desmentido.

Foto: Bruno Gallas
De acordo com Célio, a ideia de coletar as caixinhas de cigarro veio espontaneamente. Considerando que o cigarro é um produto que nunca estará em falta, também nunca faltarão exemplares para adicionar à coleção.
“Um colecionava selo, outro cartão postal, cartão telefônico… e eu pensei poxa… cigarro é algo que nunca vai acabar. E aí comecei a juntar marcas, como trabalhava na WEG, eu viajava bastante. Ia nas lojas de antiguidades e comprava esses maços antigos, do império otomano, austro-húngaro…”
Exposição ao público
Célio, que não fuma e nunca fumou, entende que uma coleção dessa magnitude, com tal valor histórico, deve ser posta à disposição da população para ser observada.
“Meu objetivo é colocar isso aí para o povo ver, mas aqui em Jaraguá [do Sul], nada pode. Meu objetivo é expor na antiga rodoviária. Então, ou alguém apoia a ideia de exibição ao povo, ou eu passo para outro Estado, ou acabo vendendo”, alerta.
Atualmente, Jaraguá do Sul conta com poucos espaços destinados à preservação dos patrimônios da cidade. Espera-se que, com Célio entrando para o Guinness Book, o poder público encontre maneiras de expor esses bens ao povo jaraguaense.

Foto: Bruno Gallas
“Nós estamos buscando junto às autoridades municipais a possibilidade de ter um espaço. Com o Célio pleiteando nome ao Guinness, supomos que seja mais fácil. A gente sabe que isso será uma realização possível, até porque ninguém mais terá essa possibilidade. Ele já teve muitos assédios de municípios vizinhos para expor por lá, mas o Célio é um bairrista, ele quer que fique em Jaraguá do Sul”, completa Rogério.
O presidente da Câmara de Vereadores Jair Pedri (PSD), esteve presente no coquetel junto a outros vereadores. Ele demonstrou entusiasmo e garantiu que prestará todo o apoio a partir daquela data para que o trabalho de Célio seja reconhecido.
Apesar de tudo, o objetivo de Célio não é, especificamente, voltar ao Guinness, mas sim fundar o Museu do Tabaco e expor este patrimônio imaterial de Jaraguá do Sul, de Santa Catarina e do Brasil.