Em entrevista ao OCP News, o comandante-geral da Polícia Militar, coronel Araújo Gomes, falou sobre os números divulgados pela Secretaria de Segurança Pública (SSP) no início do mês. Os dados apontam redução nos índices de violência, mas aumento de mortes em confronto com a polícia.
Araújo prospecta queda nas mortes em decorrência de ações policiais nos próximos meses, fala de estratégia adotada pelo Estado em atuar primeiro com ação policial e depois com assistência social e defende aproximação da PM com a comunidade. Confira:
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Os números divulgados pela SSP no início do mês mostraram que os índices de mortes violentas, roubos e furtos reduziram. Essa redução se deve a uma questão sazonal ou tem a ver com mudança de estratégia na perspectiva da segurança pública?
Coronel Araújo Gomes: A gente vinha de um cenário bem adverso, de subida acentuada no Estado inteiro, com ênfase em Florianópolis, Joinville e Vale do Itajaí. Houve a necessidade de reverter em estabilização e queda. Na área de redução de criminalidade há estratégias sendo implementadas. Uma delas é a Operação Choque de Ordem – na qual utilizamos o caráter estadual para concentrar forças onde as estatísticas estavam piores, sem fazer transferências de policiais. São mobilizações rápidas que fazem impacto.
A segunda estratégia é o sufoco do crime organizado por meio de ação de inteligência integrada com a Polícia Civil para a captura de lideranças, arsenais e grandes cargas de drogas que provoquem prejuízo ao crime.
Outra ação é a Operação Ferrolho – que trabalha o controle perimetral do Estado. Foram feitas duas grande operações nas quais nós trancamos, durante um período considerável, todas as divisas e fronteiras de SC.
Por que as mortes em confronto continuaram aumentando mesmo com a queda dos índices de violência?
Gomes: Primeiro que as estratégias de maior presença e ostensividade fazem com que os contatos com a criminalidade violenta sejam mais frequentes em ambientes mais adversos. Na medida em que o prejuízo com a perda de armas, drogas e lideranças aumenta, a disposição para defender com uso da força, aumenta. Além disso, na medida em que os confrontos aumentam de frequência, o fato de nós termos armamento e treinamento superior faz com que, como regra, tenhamos um resultado melhor no confronto em termo de produzir letalidade.
O que precisa ficar claro é que a letalidade policial não é uma escolha racional e planejada. É uma contingência imposta por uma situação crítica. A polícia não deseja isso, cada situação de confronto representa um momento crítico de segurança para o nosso policial. O confronto não é algo desejado.
No ano passado, mesmo sem os investimentos em grandes operações, as mortes em confronto já tiveram um aumento. O que explica isso?
Gomes: Se cruzar com o número de prisões, armas apreendidas e de confrontos você vai ver que a regra não é a letalidade. O treinamento é para o uso progressivo da força com protocolo usado pela ONU, que estabelece as regras para o uso da força letal. Eu imagino, como gestor, que a letalidade vai reduzir, na medida em que nós conseguirmos, de forma significativa, reduzir o número de armas nas mãos de criminosos. Reduzir o sentido de territorialidade que estava começando a se construir. Porque desconstrói essa ideia de proteger um território que o criminoso acha que é dele.
Moradores de locais mais vulneráveis dizem que tem medo da polícia. O senhor não acha que precisa haver maior aproximação da polícia com essas comunidades?
Gomes: O problema não é o medo da polícia, é o medo dos criminosos. Temos uma comunidade que ficou com uma marca de violência muito forte que foi a Vila União. Tenta imaginar criar um Conselho Comunitário de Segurança (Conseg) lá, quantas pessoas compareceriam às reuniões? Por medo da polícia ou por medo do tráfico? Tenta imaginar um grupo de WhatsApp de rede de vizinhos, quantas fariam denúncia? Quantas pessoas gostariam de ser vistas conversando com um policial? Por medo da polícia ou do tráfico?
E qual é a estratégia para criar essa aproximação?
Gomes: Precisamos reduzir o domínio do tráfico sobre o espaço público para que possamos abrir caminhos para que a população confie em nós. Eles (moradores) precisam acreditar que somos bem intencionados e estamos lá para protegê-los e acreditar que não vamos embora, que podem investir nessa relação, porque não vai ser abandonada. A estratégia é a transição do modelo de intervenção baseado em inteligência e força policial nas comunidades para um modelo mais voltado para participação social, entrada das melhorias sociais e infraestrutura.
Então, o senhor acredita que precisa haver investimento social nessas comunidades.
Gomes: Nessas comunidades onde há forte influência do tráfico, você tem 90% de intervenção policial pura para 10% de ação social. O desafio da próxima etapa é ser protagonista na transição e reversão, fazendo com que tenha 90% de social e estrutura e 10% policial, lidando com a exceção do fato criminoso.
O senhor defende que a ação social só deve entrar depois da intervenção policial?
Gomes: A integração precisa de etapas. Quando coloca melhorias sociais antes de se reapropriar do espaço público, a estrutura criminosa se apropria das melhorias para empoderamento do crime. Ao invés de enfraquecer a estrutura de crime, você a fortalece.
Em quanto tempo deve ocorrer essa transição?
Gomes: Cada comunidade tem seu tempo. É sintonia fina. Da inteligência, diagnóstico da parte social, e articulação, porque estamos falando de pessoas. Cada comunidade tem uma identidade diferente e vai agir com velocidade e tempo diferentes da nossas tentativas de aproximação.
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