Durante a votação do pedido de habeas corpus do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, os 11 ministros divergiram sobre as prisões em segunda instância, pano de fundo do julgamento desta quarta-feira (4) e que recebeu a maior parte das considerações dos ministros. Em 2016, a maioria do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu acatar a execução provisória das penas dadas em condenações de segunda instância, o que serve de orientação para os demais tribunais brasileiros.
No entanto, o julgamento de duas ações que questionam a constitucionalidade do início da pena após a decisão de segunda instância poderiam reeditar o entendimento do Supremo. As ações foram liberadas para deliberação pelo plenário em dezembro do ano passado e cabe à presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, colocá-las na pauta de julgamento. Ministros, como Marco Aurélio Mello, vinham pedindo pela inclusão das ações em pauta antes do julgamento do habeas corpus do ex-presidente, diante da repercussão que a decisão sobre o HC terá no âmbito judicial, como precedente.
Relator Edson Fachin se manifesta contra habeas corpus
O primeiro a se manifestar no julgamento foi o relator do caso, ministro Edson Fachin. Logo no início da leitura de seu voto – contra o HC -, Fachin se manifestou aos demais ministros pedindo para que o julgamento fosse dedicado à análise da validade ou não do habeas corpus no caso em questão, a partir do atual entendimento do STF, que prevê a execução das penas provisórias a partir das condenações em segunda instância.
“Não é a hipótese de implementar, neste habeas corpus, uma revisita ao tema subjacente”, afirma o relator, referindo-se à questão de fundo que é a prisão após a segunda instância. Em seguida, destaca a pergunta que deveria ser discutida na sessão, que é sobre a existência ou não de ilegalidade ou abuso de poder no indeferimento pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) de habeas corpus preventivo ao ex-presidente naquela corte, no início de março.
Mendes entende a Justiça criminal como extremamente falha
Na sequência, o ministro Gilmar Mendes, que pediu para antecipar seu voto por causa de viagem marcada a Portugal, votando favoravelmente ao favor do habeas corpus, embasou sua mudança de entendimento nas prisões após segunda instância, às quais em 2016 era a favor, apontando falhas na Justiça. “Há pessoas presas por 14 anos provisoriamente. Essa é a realidade do Brasil. Estou mudando de posição porque a atual jurisprudência resulta em brutal injustiça. Se já temos uma Justiça com várias falhas, a Justiça criminal é extremamente falha”, afirma o ministro.
Além disso, o ministro também trouxe à mesa a discussão – que Fachin queria evitar – de que ao votar o HC de Lula o plenário também se estaria julgando as prisões em segunda instância, e que a decisão passaria a servir de orientação para os demais tribunais. Diante da repercussão que tomará a decisão da corte nesta quarta-feira, o ministro sugeriu uma solução intermediária para o momento de execução da pena de prisão, permitindo-a nos casos de crimes violentos, por exemplo, o que já ocorre atualmente, quando o juiz pode determinar a prisão do réu de forma preventiva, mesmo sem condenação em primeiro ou segundo grau, pelo risco à ordem pública.
Risco de prescrição dos crimes em debate
Os ministros Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso votaram logo em seguida, negando o habeas corpus, e também defenderam seus posicionamentos a favor das prisões em segunda instância. Barroso citou casos de crimes que prescreveram depois de 20, 30 anos de tramitação no Judiciário que teriam tido como principal fator a demora na tramitação dos processos sobretudo nas instâncias superiores, depois de terem passado de forma “até célere” nas instâncias ordinárias – primeira e segunda.
O ministro também enumerou casos de homicídio de grande repercussão, como os assassinatos da jornalista Sandra Gomide, da deputada Ceci Cunha e da missionária Dorothy Stang, em que os culpados recorreram durante anos em liberdade. “A justiça é o alimento da alma”, afirmou Barroso, em discurso forte contra a impunidade que, segundo ele, não seria apenas um sentimento, mas um fato. “Um sistema judicial que não funciona faz as pessoas acreditarem que o crime compensa”, declarou.
O voto chave da ministra Rosa Weber
A ministra Rosa Weber, considerado o voto chave da sessão desta quarta, foi a quinta a votar. Durante a apresentação do voto, a dúvida sobre qual seria seu julgamento se seguiu até momentos antes da conclusão de sua fala. Quando a ministra começou a manifestar que deveria seguir seu entendimento de votar de acordo com a colegialidade e em nome da instituição do STF nos casos em que não se discutem ações que poderiam servir de jurisprudência – como as ações declaratórias -, o ministro Marco Aurélio Mello logo fez um aparte.
Mello defendeu seu posicionamento – em uma crítica à presidente do Supremo, ministra Cármen Lúcia – de que o que deveria estar sendo julgado nesta sessão eram as ações declaratórias de constitucionalidade que discutem as prisões em segunda instância, sendo estas as que teriam o poder de orientar e dar segurança jurídica aos demais tribunais quanto ao tema.
“Vence a estratégia, o fato de vossa excelência não ter colocado em pauta as declaratórias de constitucionalidade. É essa a conclusão”, declarou o ministro. Após o voto de Rosa Weber, por volta das 19h30, a presidente da corte pediu o segundo intervalo da sessão – o primeiro foi por volta das 16h. No retorno, o restante dos ministros se manifestaram.
*Até o fechamento da edição do OCP, às 22h15, o placar do julgamento estava em 5 votos contra o habeas corpus e 3 a favor.