Clique aqui e receba as notícias no WhatsApp

Whatsapp

Dia do Trabalhador: como anda a reforma trabalhista?

Por: Pedro Leal

01/05/2018 - 06:05 - Atualizada em: 02/05/2018 - 08:16

Cercada de controvérsias, elogiada por setores patronais e criticada por sindicatos laborais, a reforma trabalhista entrou em vigor há 172 dias, fechados neste dia do Trabalhador. No dia 11 de novembro de 2017, começava a valer a nova legislação trabalhista brasileira, alterando uma série de regras sobre direitos e obrigações trabalhistas, contratações e demissões, acordos laborais e tempo de trabalho.

Segundo o Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese), ainda não é possível  mensurar o impacto da reforma trabalhista na realidade do trabalhador, pois seus efeitos devem começar a ser sentidos a médio e longo prazo. A entidade destaca que, por conta da crise, não é possível estimar quanto do cenário trabalhista se deve aos impactos da reforma e quanto é resultado do cenário de recuperação ou da crise.

O presidente do Conselho de Relações do Trabalho da CNI, Alexandre Furlan, notou em março que é importante que o debate sobre a reforma tenha como horizonte o longo prazo como uma mudança estrutural e não conjuntural, com objetivo apenas de reagir à crise atual.

Para o presidente da Associação Empresarial de Jaraguá do Sul (Acijs), Anselmo Ramos, “vivemos uma época de transformações nas relações de trabalho, em que há uma evolução do modelo tradicional para um conceito onde as pessoas encaram a atividade profissional sob uma perspectiva que vai muito além de uma carreira”.

Para as lideranças sindicais de Jaraguá do Sul, a reforma agrava um momento negativo para o trabalhador brasileiro, resultando em um Dia do Trabalhador com pouco a se comemorar.

“Vivemos um momento de retirada de direitos, falta de emprego, com 12 milhões de desempregados, onde o ‘bico’ virou forma de trabalho, com desvalorização dos trabalhadores”, afirma a presidente do Sindicato dos Comerciários, Ana Maria Roeder.

A avaliação foi repetida por Valcir Braga Rodrigues, presidente do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Alimentação de Jaraguá do Sul e Região.

“É lamentável que os direitos dos trabalhadores estejam sendo tirados, mas os sindicatos estão aí tentando garantir estes direitos, seja nas ruas, na Justiça ou mesmo no local de trabalho”, disse, frisando a importância da mobilização, em seu ver.

Flexibilização divide opiniões

O principal efeito da reforma é a flexibilização de normas trabalhistas, seguindo exemplos implementados na Espanha. Desde sua reforma trabalhista concretizada em 2012, a Espanha teve sucesso em reduzir os níveis de desemprego – que passaram de 22,5% para 18,6% – em um período de cinco anos e reduziu consideravelmente os custos das empresas.

No entanto, as 300 mil vagas geradas desde que a nova legislação entrou em vigor também estão associadas a lenta recuperação da economia espanhola, com especialistas se dividindo quanto ao papel da reforma neste processo – e vieram acompanhadas de uma queda de 800 euros na renda anual média do trabalhador espanhol.

Entre as mudanças efetivadas no Brasil, estão a terceirização para qualquer ramo de atividade; a criação do trabalho intermitente, que permite a contratação de funcionários sem horários fixos de trabalho, ganhando de acordo com o tempo trabalhado; a redução do horário de almoço seja reduzido para 30 minutos; a divisão das férias em três períodos e os acordos individuais entre patrão e empregado passam a valer mais do que as convenções e os acordos coletivos da categoria.

Várias dessas medidas seguem sob questionamento, e sua implementação ainda é incerta. Em particular, o trabalho intermitente parece ter sido ignorado pelo mercado: segundo dados do Ministério do Trabalho, foram apenas 15.443 admissões nessa categoria desde que a reforma entrou em vigor – a expectativa era da geração de 2 milhões de postos nessa categoria até 2019.

Segundo o presidente da Associação Brasileira de Recursos Humanos em Santa Catarina (ABRH-SC), Paulo Sérgio de Souza, muitos especialistas recomendam cautela na adoção da reforma. “Então, a reforma ainda não surtiu efeito na criação de novos postos como deveria surtir na sua essência”, diz.

Ramos, por sua vez, avalia que a capacidade de atuação plena e direta sobre o trabalho dá ao indivíduo um maior empoderamento e um senso de pertencimento, independente de cargo ou função que ocupe. “É uma reflexão que precisa ser levada em conta no atual momento de importantes transformações nos modos de produção e nas relações sociais”, conclui.

Geração de emprego não avançou

Em outubro do ano passado, enquanto os detalhes da reforma eram discutidos no congresso e na esfera pública, o então ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, fez uma projeção de geração de empregos a curto prazo com a reforma: seis milhões de empregos formais.

Até o momento, no entanto, o resultado segue longe de ser concretizado. Do contrário, a taxa de desocupação subiu de 11,8% no trimestre de outubro a dezembro para 13,1% no trimestre de janeiro a março – o que representa um aumento de 1,4 milhões na população desocupada, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Segundo dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), até o fim do mês de março, o país criou 204.064 postos de trabalho formais, com 3.953.859 contratações e 3.749.805 demissões. O resultado, no entanto, representa cerca de dois terços dos postos fechados nos dois meses que sucederam a implementação da reforma.

Esta perda de postos de trabalho desde que a reforma entrou em vigor – com fechamento de 12.292 postos em novembro e 328.539 em dezembro – não pode ser atribuída à reforma, ao menos não com os dados existentes, afirma de Souza.

“É muito cedo para medir o impacto da reforma trabalhista nas demissões. Tem muita informação misturada de crise econômica com reforma trabalhista. Não acredito que houve aumento no número de demissões por conta da reforma”. Ele destaca também que Santa Catarina foi o Estado que menos sofreu com a crise dos últimos três anos.  Segundo o IBGE, a taxa de desemprego do Estado, em 2017, foi de 6,7% contra 12,4% no país.

Os resultados foram rapidamente utilizados por críticos da reforma para apontar o fracasso da mesma – e vistos em isolamento, parecem indicar que no curto prazo, a reforma levou à perda de empregos formais. No entanto, isso envolve ignorar os dados dos meses para os anos anteriores: novembro teve perda de 116 mil vagas em 2016 e 130,3 mil vagas em 2015.

Dezembro, por sua vez, apesar do resultado fortemente negativo, teve o melhor resultado para o mês desde 2007 – quando o mês encerrou com perda de 319.414 postos. No ano seguinte, foram 654.946 empregos a menos no mês. Anos recentes não foram melhores: 2015 viu o fechamento de 555.508 postos, enquanto 2016 teve a perda de 592.208 postos no mês.

“É muito cedo para medir o impacto da reforma trabalhista nas demissões. Tem muita informação misturada de crise econômica com reforma trabalhista”.

Paulo Sérgio de Souza, presidente da ABRH-SC

Confusão e desinformação

Passados quase seis meses desde que a legislação entrou em vigor, ainda há muita confusão sobre o que de fato mudou com a reforma. Segundo o presidente da ABRH-SC, Paulo Sérgio de Souza, a nova legislação teve muito impacto na área de RH, “pois passamos a ter demandas que antes não tínhamos, como, por exemplo, atrair, reter, desenvolver e engajar trabalhadores home-office, tele-trabalho, trabalho por demanda”, explica, destacando também desafios de  lidar com novas jornadas de trabalho possíveis, administrar períodos de férias diferentes e os impactos de demissões em comum acordo com benefícios e custos diferentes do que antes era previsto.

Três dias após a reforma ter entrado em vigor, a Presidência da República emitiu a Medida Provisória (MP) 808 que esclarecia e definia algumas das mudanças na legislação, e colocava em vigor o texto aprovado pelo Senado, rejeitado na Câmara dos Deputados. A medida, que alterava 17 artigos da lei, expirou na última segunda-feira, dia 23 – com isso, passou a vigorar o texto original, aprovado pela Câmara dos Deputados em Julho passado.

“As empresas têm muitas dúvidas em relação à reforma trabalhista. Há uma insegurança jurídica porque o congresso não aprovou as alterações e abriu brecha para interpretações diversas na Justiça do Trabalho”, explica o presidente da ABRH-SC, Paulo Sérgio de Souza.

Várias das mudanças na MP que venceu na semana passada amenizavam alguns dos pontos mais controversos da reforma. O governo federal pretende alterar alguns destes pontos através de decreto.

Clique aqui e receba as notícias no WhatsApp

Whatsapp

Pedro Leal

Analista de mercado e mestre em jornalismo (universidades de Swansea, País de Gales, e Aarhus, Dinamarca).