O caso envolvendo o Banco Master e o escritório da mulher do ministro Alexandre de Moraes, com possível atuação direta do ministro, pode ser ainda mais grave do que o crime de “advocacia administrativa”, que parte da imprensa tem cogitado.
Se confirmada a hipótese de que Moraes tenha solicitado, direta ou indiretamente, ao presidente do Banco Central, algum tipo de favorecimento, e este favorecimento tiver sido indevido ou irregular, estaremos diante até mesmo de um possível crime de corrupção passiva, tipificado no art. 317 do Código Penal.
A gravidade do caso exige algo que o ministro costuma aplicar com rigor aos outros: investigação imediata. Onde está a severidade considerada necessária para “salvar a democracia”, quando a corda está no pescoço do próprio ministro?
Nos últimos 7 anos, réus foram presos preventivamente, jornalistas tiveram bens bloqueados, congressistas perderam mandatos, contas foram suspensas, redes sociais banidas, relações familiares afetadas e carreiras destruídas com base em meras suspeitas e na aplicação de conceitos elásticos da lei.
Se essa mesma régua fosse aplicada ao caso Master, o presidente do Banco Central estaria sendo formalmente inquirido, a mulher do ministro prestaria esclarecimentos, e o próprio Moraes estaria, no mínimo, afastado do cargo cautelarmente.
Nada disso ocorreu. O Estado respondeu com silêncio, e o ministro com um punhado de notas breves e contraditórias, tentando encerrar o assunto. Versões contraditórias de Mauro Cid foram respondidas com ameaças de Moraes, mas eram outros tempos, não é mesmo?
Se o Estado pretendesse ser levado a sério, a PGR precisaria agir. Sabemos que não vai. Mas ainda pode surgir uma CPI sobre as relações de Moraes com o banco Master, trazendo esperança parecida com a da CPMI do escândalo da Previdência.
Ainda que o Congresso durma, o caso não vai morrer, a orelha do coelho escondido atrás do sofá está evidente e será revelada pela imprensa, pela velha mídia, inclusive, que escolheu rifar Moraes, quando ele não sossegou seus arbítrios, após prender Bolsonaro, inimigo comum de Moraes e da própria velha mídia.
A imprensa chegará a outros clientes da mulher de Moraes, outros contratos e outros escritórios ligados a outros ministros de tribunais superiores. Afinal, Brasília abriga um mercado pródigo de escritórios ligados a autoridades, algo conhecido de todos, mas raramente exposto. A resistência à investigação do caso Moraes pode abrir um precipício para a Corte inteira.
Por enquanto, no STF, ninguém solta a mão de ninguém. Mas, se a imprensa ou uma CPI sobre o escândalo do banco Master avançar, pode ser que todos prefiram soltar a mão de Moraes a arriscar perder a própria.
* André Marsiglia, 46 anos, é advogado e professor. Especialista em liberdade de expressão e direito digital. Pesquisa casos de censura no Brasil. É doutorando em direito pela PUC-SP e conselheiro no Conar.