O Brasil vive hoje uma crise no Judiciário — mas o que se desenha vai além da velha corrupção: é a politização aberta da Suprema Corte, um enfraquecimento da Justiça como guardiã da Constituição — e um alerta de que a lei vale cada vez menos.
Nas últimas semanas, escândalos envolvendo venda de sentenças, “consultorias de decisão” e favorecimentos escancararam que o sistema judiciário parece estar à venda. A investigação da Polícia Federal (PF) no âmbito da chamada Operação Sisamnes revelou que advogados e lobistas contratavam intermediários com acesso a gabinetes para antecipar decisões no Superior Tribunal de Justiça (STJ) — com minutas, despachos e sentenças moldadas antes mesmo de os processos andarem. Isso mina a crença de que todos são iguais diante da lei.
Ao mesmo tempo, o escândalo do Banco Master trouxe à tona outro tipo de pressão sobre a Justiça: o uso de prerrogativas e foro especial para blindar investigados. A transferência do caso para a Supremo Tribunal Federal (STF), decidida por Dias Toffoli, elevou o grau de sigilo e afastou o processo das instâncias mais transparentes — justamente quando a opinião pública mais clamava por clareza.
Mas os problemas não param aí. A própria estrutura de controle da Corte está sendo redesenhada para proteger os seus membros. É o caso do ministro Gilmar Mendes, que editou uma decisão que restringe drasticamente quem pode pedir impeachment de ministros do STF: agora, apenas o Procuradoria‑Geral da República (PGR) teria essa prerrogativa — e, além disso, o quórum exigido no Senado para aprovar um afastamento saltou para ⅔. O que antes era um direito de qualquer cidadão virou uma blindagem quase absoluta.
Ou seja: ao mesmo tempo em que surgem denúncias gravíssimas — venda de sentenças, conluios, interesses privados —, a própria Corte se arma para evitar punições ou qualquer forma de responsabilização.
E por fim há o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro. O que deveria ser um processo puramente jurídico assumiu desde o início contornos políticos e institucionais que minam sua legitimidade. O STF mudou regras internas rapidamente para permitir o julgamento direto no tribunal acelerando as decisões e reduzindo o debate público sobre os fatos.
O problema que estamos vivendo no Brasil vai além de quem é investigado ou julgado. É a legitimidade do sistema que está sendo corroída — o princípio de que a Justiça serve ao cidadão, e não ao poder.
Se o Brasil quiser continuar sendo uma democracia de verdade — e não uma ficção — é preciso urgentemente restabelecer transparência, controle externo, prestação de contas e, sobretudo, responsabilização. Não basta punir indivíduos: é preciso reconstruir a confiança que o cidadão tem de que a lei vale para todos — inclusive para quem veste a toga.