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Educação financeira deve começar em casa, aponta doutor em finanças

Foto: arquivo pessoal

Por: Elisângela Pezzutti

23/10/2025 - 07:10

Mesmo com o acesso cada vez maior à informação, o Brasil ainda convive com um problema estrutural: a falta de educação financeira. Para o economista doutor em Finanças Comportamentais e pós-doutor em Psicologia Cognitiva na Universidade Livre de Bruxelas, Jurandir Sell, consultor da Warren Investimentos e professor aposentado da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), esse é o ponto de partida para transformar a relação dos brasileiros com o dinheiro. “O melhor lugar para ter educação financeira é dentro de casa. Mas, como muitos pais não tiveram educação financeira, não conseguem ensinar aos filhos”, resume Sell em entrevista exclusiva ao OCP.

Um país sem cultura de planejamento

Jurandir Sell explica que o Brasil viveu, durante mais de três décadas, uma realidade econômica que praticamente impedia o planejamento. “Nós tivemos um período muito longo, desde os anos 1960 até 1994, de uma inflação absurda que destruiu qualquer ideia de organização financeira. A gente recebia o salário e saía correndo para comprar”, recorda.

Segundo ele, o Brasil não teve as maiores inflações do mundo, mas a inflação mais longa da história mundial, o que explica por que grande parte da população brasileira ainda tem dificuldade para pensar no futuro.

Com o Plano Real, a estabilidade da moeda trouxe um novo desafio: o aprendizado sobre como lidar com o crédito. “A explosão do crédito levou as famílias a um endividamento muito grande, porque não se tinha educação financeira. E isso criou um ciclo vicioso de dívidas e renegociações que atravessa gerações”.

A dica de Sell para quem quer iniciar um planejamento financeiro é começar anotando seus gastos, para entender de onde veio o dinheiro e para onde ele vai, ou seja, ter um controle detalhado de suas finanças. “É uma coisa chata, mas depois que isso se torna um hábito, fica fácil”, diz.

Gastar melhor, não necessariamente gastar menos

O economista reforça que planejamento financeiro não significa abrir mão daquilo que traz prazer, mas repensar hábitos. “Planejamento financeiro não é para tirar o supérfluo da vida, porque assim a vida fica chata. O que você deve tirar é o desperdício — de água, de luz, de roupas que você não usa. O brasileiro é campeão de desperdiçar comida”, afirma, completando que o equilíbrio vem do entendimento de que ter controle financeiro não é gastar menos, é gastar melhor.

“Por exemplo, eu não pago TV por assinatura, mas se tirar a TV a cabo da minha mãe, que tem 81 anos, isso estraga a vida dela, porque ela assiste, usa bastante. Então, essa análise é importante para avaliar o que vale a pena e o que não vale”, diz.

Sell alerta, no entanto, para o consumo baseado na aparência, o chamado gasto por status. “O pior gasto é aquele para parecer ser alguém diferente do que você é, querer viver além das suas possibilidades. É uma burrice! E isso não está restrito aos pobres. Há pessoas muito bem-sucedidas endividadas”, exemplifica.

O papel do crédito: vilão ou aliado?

Embora o crédito muitas vezes seja associado ao endividamento, o economista argumenta que ele pode ser um instrumento de crescimento pessoal e profissional — desde que usado com consciência. “O crédito, se bem usado, melhora a vida das pessoas. Quando o sujeito faz um crédito educativo, compra a casa própria ou investe num pequeno negócio, isso é positivo”, explica.

Mas, o uso descontrolado é o primeiro passo para a exclusão financeira. “Se alguém ganha R$ 3 mil e gasta R$ 3,5 mil porque tem cartão de crédito, pode até parecer viável por um tempo. Mas quando estiver devendo R$ 15 mil, acabou o crédito”, alerta.

Sell reforça que, ao contrário do que muitos pensam, o sistema financeiro não ganha com a falta de educação da população. “Se a pessoa se endivida e deixa de ser cliente, o banco também perde. Por isso, usar o crédito de forma positiva é um princípio básico da educação financeira”.

A importância da reserva e da previdência

Entre as orientações mais diretas de Jurandir Sell estão duas: criar uma reserva de emergência e contribuir com o INSS. “Grande parte da população entende como reserva de imprevistos um cartão de crédito guardado na gaveta. Isso é um erro. A pessoa está contraindo dívida com um dinheiro que não tem”, afirma.

Ele lembra que até profissionais com renda alta negligenciam a previdência. “Fiz uma pesquisa com uma plataforma onde grande parte eram jornalistas ganhando R$ 8 mil, mas que não pagavam INSS. E se esse cara ficar doente? O INSS é um seguro extremamente importante”, reforça.

A “segunda vida adulta”: longevidade e novos desafios

Um dos temas centrais das palestras e estudos de Jurandir Sell é a longevidade. “No passado, uma pessoa com 50 anos olhava para frente e via pouco tempo de vida útil. Hoje, quando olha, tem mais 30 ou 35 anos pela frente. Essa mudança criou uma nova fase da vida, que eu chamo de segunda adolescência”, explica.

Segundo o economista, essa realidade exige planejamento financeiro de longo prazo. Ele cita um estudo do Fundo Monetário Internacional (FMI) que mostra que a capacidade cognitiva de uma pessoa de 70 anos hoje equivale à de uma pessoa de 56 anos em 2000. “Isso mostra que envelhecemos de forma diferente, com mais lucidez e autonomia. Mas, para sustentar essa nova longevidade, é preciso planejamento”.

Sell também alerta para o futuro da Previdência Social. “Hoje temos 20 milhões de pessoas com 65 anos ou mais. Em 25 anos, serão 50 milhões. O número de trabalhadores ativos vai começar a cair. O teto da previdência deve cair para algo entre dois salários mínimos. É inevitável: teremos de nos preparar para trabalhar mais e planejar melhor”.

Educação financeira dentro das empresas

A falta de educação financeira também impacta diretamente a produtividade nas empresas. “O endividamento excessivo gera estresse, leva ao burnout e ao presenteísmo — quando o empregado está na empresa, mas com a cabeça em outro lugar”, explica Sell. “Também causa absenteísmo, que é a ausência do colaborador no local de trabalho, seja por faltas, atrasos ou saídas antecipadas, justificadas ou não, e até acidentes de trabalho, além de levarem as pessoas a pedirem demissão para levantar verbas trabalhistas. As empresas precisam entender que educação financeira para seus empregados faz bem para elas também”.

Quebrar tabus e falar sobre dinheiro

Para o economista, falar sobre dinheiro ainda é um tabu, e isso precisa mudar. “Quantas famílias dizem: ‘na mesa desta casa não se fala dessa porcaria’? Mas é justamente ali, no momento em que todos estão juntos, que poderiam conversar sobre isso”, defende.
Ele também recomenda que os pais transmitam aos filhos uma visão positiva sobre o trabalho. “Por pior que seja o seu dia, chegue em casa e conte uma coisa boa. Se o filho só ouve que trabalhar é ruim, vai achar que é um castigo”.

Educação como herança

Jurandir Sell sabe, por experiência própria, o poder transformador da educação. “Perdi meu pai aos 10 anos. Minha mãe tinha 26 e dois filhos menores. Comecei a trabalhar aos 14 como auxiliar de corretor de imóveis, depois fui office boy e almoxarife, o que permitiu que eu pudesse estudar”, relembra.

Hoje, após décadas de docência e consultoria, ele defende que a educação é a mola propulsora de uma vida financeira saudável e equilibrada, e que “quando a família pega junto, o progresso acontece”.

“Educação financeira é ensinar as pessoas a usarem o dinheiro e o sistema financeiro para melhorar a própria vida. É isso que me motiva”, afirma. “Elas precisam entender que se tirarem o endividamento de suas vidas e tiverem uma reserva, elas vão viver melhor”, finaliza.

Uma vida dedicada à educação financeira

Jurandir Sell foi um dos pioneiros em educação financeira no Brasil e se tornou referência nacional no assunto, tendo trazido para a UFSC a disciplina Personal Finance, inspirada em programas dos Estados Unidos e Canadá, aberta a alunos de todos os cursos.

Autor de obras consagradas, lançou A Árvore do Dinheiro (2003), que vendeu mais de 500 mil exemplares. Também escreveu Finanças Comportamentais e Desejo e Decisão — lançado em Portugal em coautoria com pesquisadores belgas — e As Quatro Dimensões de uma Vida em Equilíbrio, sobre longevidade e bem-estar financeiro.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Elisângela Pezzutti

Graduada em Comunicação Social pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). Atua na área jornalística há mais de 25 anos, com experiência em reportagem, assessoria de imprensa e edição de textos.