Há pouco mais de dois anos, em 6 de setembro de 2023, o rompimento do reservatório R4 da Companhia Catarinense de Águas e Saneamento (Casan), no bairro Monte Cristo, em Florianópolis, deixou um rastro de destruição: cerca de 2 milhões de litros de água inundaram a comunidade do Sapé. A tragédia afetou pelo menos 280 famílias com danos materiais, psicológicos e econômicos.
Por sorte, nenhuma vida foi perdida, mas prejuízos, estimados em milhões de reais, motivaram a criação de uma Comissão Mista na Assembleia Legislativa de Santa Catarina (Alesc), relatada pelo deputado estadual Mário Motta (PSD). Agora, atualizações recentes da Casan e da Controladoria-Geral do Estado (CGE-SC) enviadas ao gabinete do parlamentar revelam medidas adotadas, mas destacam que processos disciplinares e judiciais ainda estão em curso, reforçando a necessidade de vigilância contínua.
O relatório da Comissão Mista, com 145 páginas, reconstruiu os fatos, identificou falhas graves na construção e fiscalização, e cobrou ações concretas de órgãos como CASAN, Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) e Tribunal de Contas do Estado (TCE-SC). Em resposta a questionamentos do gabinete do deputado Motta, a Casan enviou atualizações sobre o cumprimento das recomendações, enquanto a CGE-SC encaminhou seu Relatório de Auditoria nº 004/2025, datado de setembro deste ano, que analisa o contrato e sugere medidas para ressarcimento de danos ao erário.
Avanços na Casan
Entre os pontos destacados pela Casan, está o destino da área do reservatório rompido. O processo de desmembramento de uma fração do terreno (2.359,98 m²) para doação ao Estado foi aprovado pelo Conselho de Administração da companhia e está em tramitação. O objetivo é implantar um projeto habitacional pelo programa “Minha Casa, Minha Vida”, beneficiando famílias que atualmente ocupam um imóvel do Corpo de Bombeiros Militar de Santa Catarina.
Outra medida é a instauração de Processos Administrativos Disciplinares (PADs) contra três engenheiros responsáveis pela fiscalização da obra. Iniciados em setembro de 2024 – um ano após o incidente –, os procedimentos estão na fase final de instrução, aguardando relatório da comissão, parecer da Gerência de Compliance e deliberação da Diretoria Executiva. A demora preocupa, especialmente à luz de casos semelhantes, como a sindicância sobre o rompimento na Lagoa da Conceição, arquivada sem responsabilizações.
Para aprimorar a fiscalização, a Casan incorporou as diretrizes do relatório da Comissão Mista a um Plano de Capacitação, alinhado ao Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado com o MPSC em setembro de 2024. O foco é capacitar equipes com conhecimentos técnicos, normativos e legais para obras complexas.
Além disso, outras recomendações decorrentes do Relatório da Comissão também foram atendidas:, o Plano de Contingência e Emergência do Sistema de Abastecimento de Água da Grande Florianópolis foi atualizado, incorporando riscos antes ignorados; e a contratação de uma empresa especializada resultou em inspeções estruturais de reservatórios, com diagnósticos atualizados anualmente e ações corretivas. Ambos os planos já estão disponíveis para acesso público no site da Casan.
Auditoria da CGE
O Relatório de Auditoria da CGE-SC, encaminhado ao deputado Mário Motta confirma as falhas graves apontadas no relatório finalizado pela Comissão Mista da Alesc ainda em 2023. Na execução do contrato, assinado com a Construtora Gomes & Gomes Ltda em 2014, no valor inicial de R$ 16 milhões, perícias técnicas, incluindo laudos da Polícia Científica e de empresas contratadas, apontam discrepâncias como estribos com diâmetro de 5 mm (em vez de 10 mm previstos), ausência de barras de amarração e concreto de baixa qualidade. Fissuras preexistentes desde 2017 foram subestimadas, agravando o colapso.
O documento detalha impactos: danos a residências, veículos e negócios locais; atendimentos psicológicos para 103 pessoas (1.063 sessões até agosto de 2024); e poluição temporária em córregos. A Casan já desembolsou R$ 9,67 milhões em indenizações para 789 processos administrativos, além de isenções em contas de água e suporte imediato, como 9.080 refeições fornecidas.
Judicialmente, há 37 ações em andamento, com valor total aproximado de R$ 473 mil em causas individuais, além de uma Ação Civil Pública do MPSC cobrando R$ 19,5 milhões da construtora por danos coletivos. Dois engenheiros foram indiciados por inundação e desabamento culposos, e bens no valor de R$ 16,6 milhões foram bloqueados.
A CGE recomendou à Casan a instauração de um Processo de Tomada de Contas Especial para ressarcir o erário, abrangendo todos os gastos causados pelo incidente. O TCE-SC, em decisão de setembro de 2025, arquivou seu acompanhamento após verificar o cumprimento de obrigações, mas a CGE manterá o monitoramento.
Os engenheiros vinculados ao contrato, tanto pela empresa contratada quanto da Casan, já se tornaram réus em ação penal ajuizada pelo MPSC. A ação, que os acusa de dois crimes contra a incolumidade pública, foi recebida pela Justiça, dando curso ao processo criminal. Assim, o Ministério Público busca a aplicação da lei penal contra os responsáveis técnicos da obra – os dois sócios-proprietários da construtora – e de um dos engenheiros da CASAN que deveria ter fiscalizado adequadamente a execução do serviço.
Além da aplicação das penas privativas de liberdade previstas no Código Penal – até seis anos no caso de inundação e até quatro anos no caso de desmoronamento -, os Promotores de Justiça requerem na ação o pagamento de R$ 19,5 milhões para a reparação dos danos causados à comunidade e serviços públicos instalados no local.
“Precisamos de ações efetivas”, diz deputado
O deputado Mário Motta, relator da Comissão Mista, celebrou os avanços, mas alertou para a lentidão em alguns processos. “Essas medidas são fundamentais, mas causam preocupação quando demoram. Precisamos seguir vigilantes para que se transformem em ações efetivas e permanentes. Não podemos admitir a impunidade, para que uma tragédia como essa nunca mais se repita em nosso estado”, afirmou.
O gabinete do parlamentar produziu um podcast para detalhar os bastidores da investigação que culminou na entrega de um relatório robusto de 145 páginas. Com o objetivo de informar a população e transformar um tema técnico em algo didático, o podcast ‘Casan: O Caso do Monte Cristo’, já está disponível no canal do parlamentar no YouTube, em: www.youtube.com/@mariomottaoficial