Havia um lugar onde as madrugadas de sábado e domingo ganhavam vida, que transcendia o tempo e se tornava o epicentro da juventude jaraguaense. Entre as décadas de 1960 e 1980, o Salão Doering marcou gerações. O espaço na Rua Roberto Ziemann, no bairro Czerniewicz, era palco de bailes que faziam a cidade inteira dançar e carnavais que viravam lenda, fazendo do Doering o cenário de uma “era dourada”.
A construção original foi erguida no início dos 1920 por Henrique Sohn, casado com a irmã de Leopoldo Doering, o grande nome por trás da casa de três andares. Após o falecimento de Sohn em 1947, a administração passou para a família Doering, que não apenas manteve o legado, mas o expandiu, tornando o espaço em um ponto de referência. A homenagem a Henrique Sohn permanece até hoje, com a rua lateral ao prédio que foi batizada com seu nome.

Foto: Arquivo/Sergio Luiz Sohn | Carnaval de 1950
Com o tempo, o espaço se transformou em muito mais que um salão de festas. No piso superior, funcionou a Pensão Doering, onde também se hospedavam trabalhadores da antiga Kohlbach Motores. Os frequentadores, que viveram essa época, guardam lembranças únicas, como o Bacardi com Chocoleite, o gin com soda e as cubas enfeitadas, que eram marcas registradas das noites.
Logo na entrada, o carimbo azul no pulso garantia acesso à festa, mas muitos arranjavam jeitos criativos de entrar. A artimanha mais utilizada era repassar o carimbo aos amigos, de tão forte que a tinta era, ou até improvisar com graxa de corrente de moto, como se dizia na época, “a noite é uma criança”.

Foto: Arquivo histórico | Foto tirada em 1961
Da esquerda para a direita, José Jorge de Oliveira com sua filha no colo, Valério Rincus, Arnold Link, Paulo Fodi, Zízimo Francisco Lopes, sem identificação e Manoel de Souza.
A fama do Doering era tanta que ônibus de cidades vizinhas tinham como destino final Jaraguá do Sul, trazendo pessoas para as festas do salão. As domingueiras, então, eram um capítulo à parte: jovens lotavam o assoalho de madeira, embalados pelos hits que definiam a juventude da época. Na saída, o pipoqueiro era o ponto de encontro obrigatório antes que a turma se dispersasse para outros salões.
Do glamour dos bailes à “Era Disco”
Nos bailes sociais, a sofisticação ditava as regras. Mulheres desfilavam em vestidos longos, enquanto os homens exibiam seus ternos e gravatas, dançando ao som de orquestras e bandas renomadas que traziam o melhor da música para Jaraguá do Sul. Mas o Doering, sempre à frente de seu tempo, soube se reinventar. Nos anos 1970, a febre da discoteca tomou conta do mundo, e o salão não ficou para trás.
Em 1978, nascia a “Dancin Doering”, uma balada moderna, equipada com sistema de ventilação e uma ambientação pensada para a juventude que ansiava por liberdade e ritmo. Era a consagração do Doering como um espaço dinâmico, capaz de se adaptar aos novos tempos sem perder sua essência de palco da alegria.

Foto: Arquivo histórico
Bom, e quem melhor para contar a história do Salão Doering do que aqueles que viveram seu auge? Mário José Freiberger, de 63 anos, carinhosamente conhecido como Tota, ex-funcionário e “DJ” do salão, revive com um brilho nos olhos o clima da época. “O Doering era uma casa top da cidade. Eu trabalhei com o Horácio, fizemos várias festas lá. Foi o primeiro salão onde colocaram uma pista luminosa, tudo reformado, lindo. Aos sábados ia até quatro da manhã e aos domingos começava às seis da tarde. Era o agito da cidade”, lembra.
- Foto: Fábio Junkes/OCP News
- Foto: Fábio Junkes/OCP News
Tota também recorda com carinho a figura de Leopoldo. “O seu Doering cuidava das doses com rigor. Ele tinha uma marcação na madeira que usava como dosador. Se passava um pouquinho, ele tirava e colocava em outro copo. Era impressionante”, disse.
O legado de um ícone
Para além da música e das festas, o Salão Doering foi, acima de tudo, um espaço de encontros. Quantos casais não se conheceram na pista de dança, embalados por melodias que se tornariam a trilha sonora de seus romances? É o caso de Marly Pasold Cani, “foi nesse salão que fui minhas primeiras domingueiras em 1976 e acabei conhecendo meu marido”, conta.
E por outro lado, há lembranças nem tão positivas, mas que hoje são motivos de risadas. “Cheguei a ir num baile nesse salão, mas o que marcou foi quando duas mulheres saindo do baile bateram o fusca no meu opala, isso foi em 1987”, comenta Samuel Siqueira que levou um prejuízo na época.
Vem dar uma olhadinha como está a casa hoje
- Foto: Fábio Junkes/OCP News
- Foto: Fábio Junkes/OCP News
- Foto: Fábio Junkes/OCP News
- Foto: Fábio Junkes/OCP News
Para muitos, o salão simboliza uma época em que a vida social girava em torno da música, da amizade e da coletividade, um tempo em que Jaraguá do Sul crescia, mas ainda mantinha o aconchego de uma cidade pequena, onde “todos se conheciam”.
Hoje, as fotografias em preto e branco e as paredes que resistem ao tempo são um contraste poético com a modernidade da rua movimentada onde o prédio tenta resistir ao tempo, apesar de estar bem avariado. O Salão Doering, em sua forma original, pode não funcionar mais, mas seu legado é para sempre, seja lembrado como Salão Sohn, Salão Doering ou Dancin Doering.

Foto: Fábio Junkes/OCP News