♫ “E o pulso ainda pulsa/ O pulso ainda pulsa/ Hepatite, escarlatina, estupidez, paralisia/ Toxoplasmose, sarampo, esquizofrenia/ Úlcera, trombose, coqueluche, hipocondria/ Sífilis, ciúmes, asma, cleptomania”♫ (O pulso; Titãs)
Quem aí já ouviu falar da Geração “Fora CLT”? A tecnologia tem ressignificado o conceito de trabalho e de atuação profissional entre os mais jovens. Se antes o ideal era conquistar a estabilidade da CLT ou de um concurso público, muitos da geração atual enxergam nessa ideia apenas um limite à liberdade financeira, de tempo e de propósito.
Dados recentes, por exemplo, mostram que 59% dos brasileiros preferem trabalhar por conta própria em vez de ter um emprego formal sob as regras da CLT. Isso reflete uma nova mentalidade, que valoriza autonomia, múltiplas fontes de renda e propósito, mais do que um contrato fixo e benefícios garantidos.
Essa mudança geracional não é exclusividade do Brasil. Um estudo da Deloitte aponta que 94% dos profissionais da Geração Z priorizam equilíbrio entre vida pessoal e trabalho em vez de progresso na carreira.
Outro ritmo
A radicalização dessa postura levou, inclusive, à adoção de estilos de vida conhecidos como rat people ou tang ping, que são o oposto do ritmo frenético que se vive, em regra, atualmente. Tang ping significa ficar deitado e se refere a um estilo de vida que surgiu na China pelo qual os jovens rejeitam a pressão de trabalhar de forma incessante e absolutamente competitiva. O rat people, outro movimento do mesmo país e com um fundo parecido, refere-se a pessoas desempregadas ou não que moram em subterrâneos em situação de quase letargia, fora da pressão social ou do trabalho. Não se pode esquecer que a semana de trabalho lá é, em muitos casos, de 72 horas semanais, de 12 horas por dia, seis dias por semana.
O fato é que no mundo todo, talvez com menos radicalismos, a pressão de um mercado saturado, com baixo ganho real e insegurança crescente, alimenta essa postura. No Reino Unido, por exemplo, cerca de 13% dos jovens de 16 a 24 anos são com os nossos NEM-NEM (nem estudam nem trabalham), reflexo de fatores como ansiedade, insatisfação e custo de vida elevado. E, talvez, excesso de tecnologia mal gerida ou digerida.
A Geração Z também registra alta taxa de esgotamento mental. No Reino Unido, é o grupo com mais pedidos de licença médica por estresse ou esgotamento emocional.
Há ainda uma recusa clara à cultura hustle (que valoriza a alta produtividade e o trabalho permanente como caminho para o sucesso): um artigo recente da The Guardian elogia essa postura crítica da Geração Z ao destacar que ela deixou de buscar posições tradicionais de liderança, fãs do “trabalho até a exaustão”, preferindo jornadas equilibradas e menos hierárquicas.
Nova visão de vida
No Brasil, alguns jovens não encaram múltiplas anotações na CLT como fracassos, mas como uma forma natural de construção da própria carreira, combinando freelances, projetos paralelos, trabalho remoto, economia de compartilhamento. O emprego formal passa a ser apenas uma entre várias opções, e não o objetivo final.
Essa nova mentalidade provoca discussão. Para gerações anteriores, menos “comprometimento” com empresas soa como falta de ambição. Quantas histórias de relógios de presente pelos 20 ou 30 anos na mesma empresa!
Porém, estudos apontam que os jovens não são, em regra, preguiçosos: estão apenas reconstruindo o significado do trabalho, buscando qualidade de vida e respeito aos limites pessoais. Eles preferem uma vida mais equilibrada a uma afundada em compromissos corporativos, especialmente alimentada pela tecnologia que exige uma certa onipresença profissional das pessoas.
Empresas que buscam atrair este público precisam repensar: oferecer papel relevante, apoio à saúde mental, horários flexíveis, ambiente colaborativo e oportunidades de desenvolvimento. Os resultados mostram que profissionais felizes são mais produtivos. A rigidez hierárquica perde força frente à valorização da autonomia e do bem-estar.
Claro, há quem, de fato, só quer as mordomias e os benefícios sem a contrapartida do trabalho sério. Isso sempre houve e possivelmente sempre haverá. Algumas distorções, inclusive, viram piadas nas redes sociais. Mas não dá para generalizar.
Talvez possa se dizer, com certa margem de acerto, que essa geração não está fugindo do trabalho; está fugindo de um modelo ultrapassado. Quer flexibilidade, propósito e equilíbrio e está disposta a pagar um preço por isso. O desafio, agora, é construir uma cultura profissional que corresponda a essas novas prioridades, sem confundir independência com indiferença ao esforço.