O descontrole financeiro tem custado caro ao brasileiro. Um estudo recente do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT) revela uma realidade preocupante: o país chegou a 75 milhões de inadimplentes em fevereiro de 2025, número que representa aproximadamente um terço da população. Mais do que um problema de renda, os dados mostram uma fragilidade estrutura, sendo a falta de educação financeira básica, combinada à ausência de hábitos de planejamento, que está empurrando milhões de pessoas para o endividamento crônico.
Para o presidente do IBPT, Gilberto Luiz do Amaral, o problema vai além do bolso. “O brasileiro consome sem planejamento, desconhece o impacto dos juros e não registra suas despesas. Isso não é falta de vontade, é ausência de formação adequada para lidar com dinheiro”, conta.
O levantamento mostra que, mesmo com o crescimento de iniciativas de renegociação de dívidas —que somaram R$ 12,17 bilhões em descontos apenas em fevereiro, ainda restam cerca de 630 milhões de débitos em aberto no país, totalizando um montante superior a R$ 910 bilhões. O valor médio de cada acordo é de apenas R$ 698, o que revela a pulverização do endividamento em pequenas parcelas, muitas vezes acumuladas no dia a dia, sem controle ou estratégia.
A tendência, segundo o estudo, é de alta. Após uma breve queda no fim de 2024, os índices voltaram a subir: foram 73,5 milhões de inadimplentes em dezembro, 74,6 milhões em janeiro e 75 milhões em fevereiro. A inadimplência, que por anos foi vista como reflexo da desigualdade de renda, agora se apresenta também como resultado da má gestão individual — algo que atinge todas as classes e faixas etárias.
Falta de conhecimento e controle
O estudo revela um dado alarmante: apenas 3% da população brasileira sabe organizar bem suas finanças. Outros 18% alegam ter algum conhecimento, enquanto 78% — ou seja, quase 8 em cada 10 brasileiros — reconhecem que sabem pouco ou quase nada sobre o assunto.
Essa fragilidade cognitiva reflete-se no dia a dia. Segundo dados da CNDL e do SPC Brasil, 45,8% dos brasileiros não realizam qualquer controle sistemático do orçamento. Dos que tentam manter algum tipo de gestão, muitos fazem isso de forma improvisada: 29,3% apenas “de cabeça”, sem anotações ou ferramentas. Apenas uma minoria (3,1%) utiliza aplicativos digitais de gestão financeira.
De cada 100 brasileiros, apenas 1 possui controle real e estruturado de suas finanças pessoais. As justificativas para esse cenário vão desde a falta de tempo até a dificuldade de lembrar de compras feitas em dinheiro ou simplesmente não saber por onde começar. “Não basta oferecer crédito. É preciso ensinar o cidadão a usá-lo de forma responsável. Do contrário, os números da inadimplência continuarão subindo”, alerta Amaral.
Crise que atravessa gerações
A inadimplência não poupa faixa etária, mas tem maior concentração entre adultos economicamente ativos. A pesquisa mostra que pessoas entre 41 e 60 anos representam 35,1% dos endividados, seguidas de perto pelos adultos de 26 a 40 anos, que correspondem a 34%. Esses dois grupos são os que mais enfrentam despesas como educação dos filhos, aquisição de bens duráveis e manutenção da casa.
A situação dos jovens adultos (18 a 25 anos) também preocupa. Apesar de serem o menor grupo entre os inadimplentes (11,8%), eles entram na vida financeira com alto uso de crédito, impulsividade de consumo e baixo conhecimento sobre produtos financeiros. Já os idosos, que representam 19,1% dos endividados, enfrentam os desafios da renda fixa da aposentadoria e do aumento dos gastos com saúde.
“Cada etapa da vida traz desafios diferentes. A educação financeira precisa ser contínua, adaptada a cada momento da vida do cidadão”, aponta o presidente.
Educação financeira defasada
Os reflexos dessa desorganização começam na escola. O Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA), coordenado pela OCDE, mostra que 45% dos adolescentes brasileiros de 15 anos têm baixo desempenho em alfabetização financeira. A nota média do país foi de 416 pontos, muito abaixo da média da OCDE (498), colocando o Brasil na 18ª posição entre 20 países.
Além da defasagem nos currículos escolares, o estudo do IBPT aponta uma correlação direta entre desempenho acadêmico e comportamento financeiro adulto. Estudantes que atingiram os níveis mais altos no PISA têm 50% mais chance de comparar preços antes de comprar e 72% mais probabilidade de manter uma reserva financeira.
A falta de base, portanto, gera um ciclo vicioso. “Estamos negligenciando gerações inteiras. Sem educação financeira desde cedo, o ciclo da pobreza e do endividamento se perpetua”, afirma Amaral.
Saúde financeira da população: melhora discreta, mas instável
O Índice de Saúde Financeira do Brasileiro (I-SFB), medido pela Febraban em parceria com o Banco Central, indica uma leve melhora no bem-estar financeiro dos brasileiros: passou de 56,2 pontos em 2023 para 56,7 em 2024, numa escala que vai até 100.
Apesar da evolução tímida, a insegurança ainda é a norma. Apenas 32,4% dos entrevistados afirmam que conseguiriam arcar com uma grande despesa inesperada. Pouco mais de um terço (34,5%) considera que cuida bem do dinheiro. E um dado relevante: 67,2% dizem não ter nenhuma segurança sobre o próprio futuro financeiro.
“A maioria dos brasileiros vive no limite, sem reserva ou estratégia. Isso gera angústia, insegurança e afeta até a produtividade no trabalho”, observa o gerente de projetos do IBPT, Alcyr Neto.
Práticas
Diante desse cenário, o estudo do IBPT não apenas aponta o problema, mas propõe uma série de recomendações práticas. A principal delas é a inclusão da educação financeira no currículo escolar desde os primeiros anos do ensino fundamental. Além disso, sugere campanhas de conscientização para adultos, programas adaptados por faixa etária e incentivo à poupança e ao investimento consciente.
Outra recomendação é o uso de ferramentas gratuitas e acessíveis, como o Citizen e Gastômetro, desenvolvidas elo próprio IBPT, que permite o acompanhamento inteligente das despesas. Transparência no setor financeiro, com clareza sobre taxas e condições de crédito, também está entre os pontos defendidos.
“Controlar os gastos não é apenas uma necessidade individual. É uma responsabilidade coletiva para garantir estabilidade econômica, dignidade social e um futuro sustentável para o Brasil”, conclui gerente de projetos do IBPT, Alcyr Neto.