O mercado brasileiro de apostas on-line é um dos que mais cresce, mas também é um dos mais litigiosos da economia digital. Segundo dados do Banco Central, os sites de “bets” movimentam hoje entre R$ 20 e R$ 30 bilhões por mês, algo próximo de R$ 360 bilhões em doze meses, superando o orçamento anual do Ministério da Saúde em 2024.
As cifras são milionárias, mas as plataformas precisam operar com transparência e limites responsáveis. Políticas claras de aposta e de saque são necessárias para evitar choques com clientes, principalmente depois de tribunais estaduais começarem a enquadrar restrições unilaterais como violações aos direitos do consumidor.
O alerta soou alto quando a Justiça paulista obrigou a Betano a remover um limite de apenas R$5 por bilhete imposto sem justificativa a um apostador. Semanas depois, a Corte mineira condenou a Bet365 por bloquear a conta de um usuário lucrativo, declarando abusiva a cláusula que previa encerramento “a critério exclusivo” da empresa.
Nos dois processos, os juízes invocaram o Código de Defesa do Consumidor para sustentar que a relação apostador-operadora se enquadra como típica relação de consumo, sujeita a equilíbrio contratual e dever de informação (Lei 8.078/1990). Mas a pressão em relação a essa clareza não vem apenas dos tribunais.
Em fevereiro, o Procon-SP revelou que já registrou cerca de 2.300 reclamações formais, sendo 90% ligadas a não pagamento de prêmios ou devolução de valores. Com o decreto que regulamentou a Lei 14.790/2023, o governo federal tentou preencher a lacuna regulatória.
Desde 1º de abril todas as operadoras licenciadas devem manter perfil ativo na plataforma pública Consumidor.gov.br, onde o usuário abre queixas eletrônicas e a empresa tem dez dias para responder, sob pena de sanções aplicadas pela Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon).
O Ministério da Fazenda, por meio da recém-criada Secretaria de Prêmios e Apostas (SPA), diz que a ferramenta garante rastreabilidade e “marca temporal” às tentativas de conciliação, base importante quando o litígio chega ao Judiciário.
Um exemplo de compliance é Samba Slots. A empresa pública integralmente seus termos de jogo em português claro, oferece autoexclusão imediata, define tetos máximos de depósito e permite que o próprio usuário estabeleça limites diários de gasto antes do primeiro clique. Além disso, disponibiliza históricos completos de apostas e submete seus mecanismos de random number generator a auditoria anual.
Esses procedimentos reduzem conflitos e servem de referência para outras operadoras. Por isso, aproximar defesa do consumidor e regulação setorial virou prioridade também no Congresso. Em 8 de maio, o presidente do Conar, Sérgio Pompilio, declarou na CPI das Bets que 80% das denúncias recebidas pelo conselho envolvem plataformas não autorizadas.
Sugerindo, assim, um “sistema de consequências” que inclua multas e até suspensão da licença para quem descumprir padrões mínimos de publicidade e atendimento. Por ora, o quadro geral é de transição. Cerca de 71 das 114 empresas que pediram outorga federal foram liberadas a pagar a taxa de R$30 milhões e operar a partir de 1º de janeiro, enquanto mais de 5.283 domínios ilegais já foram derrubados pela Anatel em apoio ao Ministério da Fazenda.
Essa combinação de filtro econômico (licença cara), vigilância tecnológica e canais de queixa públicos cria incentivos para práticas mais transparentes, inclusive na definição de limites de aposta e de saque. Especialistas acreditam que a SPA deve publicar nos próximos meses uma portaria específica sobre limites obrigatórios.
Do ponto de vista judicial, a tendência é de que os magistrados aplicarem não só devolução de valores, mas indenização por dano moral quando a restrição é vista como punitiva. O caso mineiro contra a Bet365 já fixou a compensação em R$10 mil, referência que pode escalar em ações coletivas.