A Quaresma, período de 40 dias que antecede a Páscoa, é uma tradição cristã marcada por reflexão, penitência e preparação espiritual. Mas além dos rituais religiosos, esse tempo também é cercado de lendas e histórias populares que atravessam gerações, especialmente em comunidades do interior do Brasil.
Passadas de pais para filhos, essas narrativas misturam fé, medo e costumes antigos. São contos que, embora não tenham base teológica, ainda despertam curiosidade e respeito — e, para muitos, funcionam como um lembrete para manter boas condutas durante o período.
A Mula sem Cabeça aparece mais na Quaresma
Diz a crença popular que as criaturas sobrenaturais se tornam mais ativas durante a Quaresma. A Mula sem Cabeça, figura do folclore brasileiro, seria mais propensa a aparecer nesse período, castigando aqueles que não seguem os preceitos religiosos.
Banho em rio? Só depois da Páscoa!
Nas zonas rurais, é comum ouvir que não se deve nadar em rios, cachoeiras ou lagoas durante a Quaresma, pois “o diabo está solto” e acidentes seriam mais frequentes. A ideia é reforçar o cuidado com o corpo e evitar excessos nesse tempo de recolhimento.
Animais falam na Sexta-feira Santa
Outra lenda popular diz que, à meia-noite da Sexta-feira Santa, os animais ganham o dom da fala. Mas ouvir o que eles têm a dizer pode ser tão perturbador que, segundo o folclore, a pessoa ficaria louca. Melhor deixar o galo cantar sozinho.
Quem já viveu no interior ou cresceu ouvindo histórias de avós certamente já escutou algo sobre a temida Procissão das Almas, também chamada de Procissão das Almas Penadas. E em meio a esse cortejo sombrio, uma personagem ganha destaque nas lendas populares: Maricota, a mulher que desafiou o invisível — e pagou caro por isso.
A Procissão das Almas
Diz o povo que, durante a Quaresma, especialmente nas madrugadas de sexta-feira, um cortejo silencioso de almas sai pelas ruas ou estradas da cidade. São espíritos de pessoas falecidas que ainda estão pagando suas penas, vagando entre o mundo dos vivos e dos mortos. Vestidas de branco ou cobertas por véus, elas caminham em fila, com velas nas mãos, rezando e chorando por suas almas.
Essas aparições são, segundo a crença, invisíveis aos olhos comuns — mas podem ser percebidas por aqueles que têm o “dom” ou que, por descuido, atravessam o caminho delas.
Maricota, a teimosa
A história mais contada é a de Maricota, uma mulher corajosa (ou curiosa demais) que não acreditava em lendas nem em almas penadas. Certa noite de Quaresma, voltando tarde da casa de uma amiga, ouviu o badalar de um sino e viu uma luz tênue se aproximando. Riu, dizendo que era invenção do povo. Mas quando viu uma fila de figuras encapuzadas e silenciosas, o riso congelou.
Segundo a lenda, ela tentou espiar mais de perto, e nesse momento uma das almas se virou e sussurrou seu nome. Maricota desmaiou ali mesmo, e foi encontrada no dia seguinte, com os cabelos brancos e os olhos perdidos no vazio. Nunca mais foi a mesma.
Outras versões dizem que ela teria tentado entrar na fila para “ver até onde ia”, e que nunca mais voltou. Ou que passou a vida toda ouvindo sinos e vozes que mais ninguém ouvia.
São histórias que dão aquele frio na espinha, mas também nos conectam com tradições que resistem ao tempo, à modernidade e à incredulidade.