No Peru, não tem “amigo do amigo de meu pai” para salvar corruptos

Por: Deltan Dallagnol

23/10/2024 - 06:10

 

Nesta segunda-feira (20), repercutiu mundialmente a notícia de que o ex-presidente do Peru, Alejandro Toledo, que governou o país entre 2001 e 2006 — período coincidente com o primeiro mandato de Lula no Brasil — foi condenado pela Justiça peruana. Toledo recebeu 35 milhões de dólares (cerca de 200 milhões de reais pela cotação atual) em propinas da Odebrecht, em troca de favorecer a empreiteira com um contrato de construção de estradas que liga o litoral sul do Peru ao Brasil. Condenado a 20 anos e seis meses de prisão, Toledo, atualmente com 78 anos, passará o restante de sua vida na cadeia.

No mesmo dia, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli — popularmente conhecido como “amigo do amigo de meu pai” — anulou uma ação de improbidade contra o atual vice-presidente do Brasil, Geraldo Alckmin. A ação tratava de repasses de caixa dois feitos pela Odebrecht à campanha de Alckmin ao governo de São Paulo em 2014, campanha que ele venceu. Será que era isso que o presidente do STF, ministro Barroso, quis dizer ao afirmar que o Supremo “está funcionando muito bem”?

Se o critério de bom funcionamento das instituições for a anulação em série de casos da Lava Jato e a aplicação seletiva de punições severas, como as penas de até 17 anos para os réus dos atos de 8 de janeiro, então, sim, o STF está operando “muito bem”. Mas, se o critério for a aplicação imparcial e efetiva da Justiça, estamos em situação muito pior que países como Estados Unidos, Peru, Colômbia e Suíça, onde envolvidos na Lava Jato foram condenados e punidos.

Nos Estados Unidos, gigantes do setor de petróleo, como Trafigura, Glencore, Vitol, Mercuria e Gunvor, confessaram pagar propina e firmaram acordos judiciais. José Carlos Grubisich, ex-presidente da Braskem, foi condenado por um tribunal de Nova Iorque a 20 meses de prisão por desviar mais de 250 milhões de dólares para um fundo secreto usado para subornar agentes públicos. Na Suíça, mais de 3 bilhões de reais foram congelados, sendo que 600 milhões ainda aguardam o desfecho das investigações em bancos europeus. No Peru, Keiko Fujimori, ex-candidata à presidência e filha do ex-presidente Alberto Fujimori, enfrenta julgamento por lavagem de dinheiro em um caso também relacionado à Odebrecht. Na Colômbia, o presidente Gustavo Petro exige compensação da Odebrecht pelos danos causados pela corrupção ao país.

Enquanto o mundo pune seus corruptos e colhe os benefícios da operação Lava Jato, o Brasil segue sendo uma “república de bananas” e um paraíso para grandes corruptos. Toffoli, o “amigo do amigo de meu pai”, teve a ousadia de declarar, durante sessão do STF, que anula os casos da Lava Jato “com muita tristeza”. É uma afronta ao povo brasileiro. Será que alguém acredita que Toffoli, mencionado nos e-mails da Odebrecht e quase investigado pela PGR, está realmente triste com o fim da maior operação de combate à corrupção do mundo, que ele ajudou a precipitar com a sua própria caneta suprema?

A Lava Jato nasceu, cresceu e rendeu frutos no Brasil. Contudo, essa árvore não secou. Ela foi cortada. Boa parte de seus frutos já foram jogados fora, intencionalmente. As digitais estão por toda parte e são do STF. A instituição “STF” é essencial, mas quem ama o Brasil precisa dar nome aos bois e criticar duramente as decisões do STF que censuram o povo e garantem a impunidade dos corruptos. No Peru, na Colômbia, nos Estados Unidos, na Suíça e em muitos outros países, a Lava Jato segue florescendo e rendendo frutos. Por lá não há um “amigo do amigo de meu pai” para anular processos e derrubar condenações, garantindo a impunidade dos corruptos.

 

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