Reflexões do 40rentando

Por: Ana Kelly Borba da Silva Brustolin

19/09/2024 - 09:09 - Atualizada em: 19/09/2024 - 09:42

Tudo muda quando a gente muda. A mente mente. A boca fala do que o coração está cheio. Nós não vemos o que vemos, nós vemos o que somos. Só veem as belezas do mundo aqueles que têm belezas dentro de si.
Todas essas reflexões – e muitas outras – nos acompanham diariamente em redes sociais e na fala de pessoas próximas.

Nasci em 1984. Exatamente como está intitulado um livro da literatura, de autoria atribuída a George Orwell. A história passa-se em 1984 e a narrativa revela um futuro distópico em que o Estado é extremamente autoritário e impõe um regime de vigilância sobre a sociedade. As obras deste autor geralmente baseiam-se na reflexão acerca da liberdade e igualdade social. Nesse passo, tal romance fora publicado em 1949 (em um mundo recém-saído da Segunda Guerra Mundial e marcado pelo comunismo, nazismo, fascismo, tortura e totalitarismo), ano de nascimento da minha mãe (coincidências existem?!). Orwell lançou o seu olhar sobre a realidade de seu tempo, quando a liberdade e a igualdade eram uma utopia para muitas pessoas. Bem, voltando ao ponto, eu nasci em 1984. Nasci prematura. Tive pressa (ou anseios de vir a este mundo?!). Identifico muitos anseios ao longo da minha trajetória até aqui.

Falei cedo. Tive amigas imaginárias. Ganhei uma irmã mais nova. Sempre tratei ela com amor e cuidado. Ensinei tudo que sabia e podia a ela. Entrei adiantada na escola. Passei no primeiro vestibular. Mudei-me para Florianópolis aos 17 anos sozinha. Comecei a lecionar aos 17 anos. Formei-me aos 21. Namorei aos 21. Casei aos 24. Terminei o mestrado aos 25. Engravidei aos 27. Fui mãe do primeiro filho aos 28. E assim segui…

Estamos em 2024. Acabo de completar 40 voltas ao redor do sol.
Pois bem, que delícia sentir a liberdade para me entender como uma mulher de 40! Que bom chegar nesse recinto.

Entendo os elogios de agora, com foco não apenas no físico (cabelos “da moda”, por exemplo) – aliás, o corpo físico já mostra sinais do tempo. Não me sinto tão ameaçada, ou insegura em relação a mim ou a alguma atividade realizada como já me senti e/ou já me cobrei em outras épocas. Interessante. Meu recinto é outro. E, aliás, na minha esfera tento me aproximar, aprender e acolher outras mulheres e corações femininos, em uma roda de união feminina que muito me acalenta. Menos disputas. Menos comparações. Menos julgamentos e apontamentos. Mais acolhimento, afeto e amorosidade.

Além do mais, tenho me perguntado por que as pessoas insistem tanto em defender “a eterna juventude”? Isso tem se reforçado com o advento das redes sociais e dos “chamados” filtros? Sempre foi assim?

Confesso que a maturidade traz uma certa calma e um entendimento da vida que conforta o real significar do ser. E me pego até refletindo sobre o termo “sou velha, mas com o espírito jovem!” Sabem, conheço muitos velhos jovens e muitos jovens velhos Rss. Não acredito que precisemos insistir apenas numa fonte eterna da juventude. Podemos ser maduros, experientes, velhos e ainda mais atraentes por toda a bagagem que já carregamos e já abandonamos, pois não mais nos servia. Sentir-se mais equilibrada, serena, leve (e “cagando”) ante a fatos que na imaturidade ou juventude nos fariam “perder a cabeça”, por acaso é ruim?! Sei lá, estou pensando alto com vocês.

Nesse trajeto até aqui entendo que liberdade de ser, sentir, querer e viver também se relaciona a nos libertarmos de amarras e ao que já não mais nos pertence, ou não queremos que nos pertença. Não levaremos malas, nem bens materiais quando partirmos daqui…

Desse modo, olho para trás e penso: “que caminhada, hein?!” Realmente, o caminho se faz caminhando. Nenhum de nós vai encontrar um caminho pronto (nem os herdeiros!). Teremos de seguir para criar o nosso itinerário – andando sozinhos – embora haja tantos (des)encontros pela vida, parafraseando o poeta Vinicius de Moraes. A estrada não está pronta a nossa espera, temos de descobri-la e (des)construí-la, e nunca saberemos ao certo qual e quando será o fim dela.

Acho que a minha história, compreendida entre 1984-2024 (talvez já prenunciada a partir de 1949, ano de nascimento de minha mãe), revela uma ação-reflexão acerca da liberdade, fé, coragem, simplicidade, amizade, doação, dedicação, de amor e muito estudo, além da busca por uma vida de igualdade social – e em meio à (e em defesa) natureza que tanto amo. Nisso há uma convergência com George Orwell.

Bem, espero continuar maturando, agindo e refletindo para revisitar estas palavras, minhas vivências e experiências daqui a alguns anos… Talvez eu goste, talvez não. Talvez concorde, talvez não.

Tomara que eu possa continuar em movimento, (pois a vida é movimento!) oxigenando corpo e mente no flow desta vida, a fim de: voar com as ideias, delirar com os sentimentos, rir com as crianças, passear com os amigos e familiares, fluir com a vida, desfrutar das palavras e da poesia, beber as esperanças, brindar as conquistas, vibrar com o trabalho, dançar com a natureza, transpirar com a atividade física, inspirar-expirar o amor, drenar as boas energias e sonhar com a paz e igualdade social.

 

…Tenho pela vida um interesse ávido

Que busca compreendê-la sentindo-a muito.

Amo tudo, animo tudo, empresto humanidade a tudo

(…)

Pertenço a tudo para pertencer cada vez mais a mim próprio

(…)

Nada para mim é tão belo como o movimento e as sensações.

A vida é uma grande feira e tudo são barracas e saltimbancos.

Penso nisto, enterneço-me mas não sossego nunca…

 

Fernando Pessoa

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Ana Kelly Borba da Silva Brustolin

Doutoranda em Linguística pela UFSC, atua como professora de Língua Portuguesa e Redação e escritora, membro da Academia Desterrense de Literatura, ocupante da cadeira 6. É autora de livros e artigos na área da Língua Portuguesa, Literatura e Educação.