Daqui a alguns dias, fará uma semana desde que o Brasil se juntou ao clube das ditaduras do mundo: China, Rússia, Irã, Coreia do Norte, Turcomenistão e Mianmar. Quem nos colocou lá, é claro, foi uma só pessoa: o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), um juiz não eleito por ninguém, mas que, com uma canetada, baniu a rede social X (antigo Twitter) do Brasil, depois que a empresa decidiu parar de cumprir ordens ilegais de censura do próprio Moraes.
A decisão ilegal, além de banir o X, previu uma multa de R$ 50 mil diária para qualquer pessoa no Brasil que utilizar um serviço de VPN para acessar a plataforma, o que é simplesmente um absurdo: Moraes não pode ameaçar 220 milhões de brasileiros que não são parte do processo e que não foram notificadas oficialmente de sua decisão. Mas o ministro fez assim mesmo porque ele pode, e ele é supremo, e porque tem o apoio explícito e também o envergonhado de vários de seus colegas ministros.
Uma decisão tão absurda como a de Moraes deveria causar, no mínimo, polêmica no próprio tribunal e debates acalorados sobre as inconstitucionalidades e as ilegalidades da decisão, e o normal, em um tribunal que fosse formado por juízes independentes, seria que a decisão de Moraes fosse amplamente contestada por seus colegas. Moraes, porém, fez uma manobra para evitar que até mesmo a pouca divergência possível nesse caso fosse sufocada: enviou sua decisão monocrática para ser avaliada apenas pela Primeira Turma do STF, onde encontra pouquíssima ou nenhuma oposição.
A manobra de Moraes tinha um objetivo explícito: impedir que o caso fosse ao Plenário, onde seria julgado pelos outros 10 ministros do Supremo, e assim isolar os ministros da Segunda Turma André Mendonça e Nunes Marques, os únicos que, vez ou outra, se opõem às decisões ditatoriais de Moraes quando o assunto é liberdade de expressão ou o julgamento dos réus do 8 de janeiro. Além de jogar o caso para a Primeira Turma, Moraes também o mandou para o plenário virtual, onde o julgamento ocorre longe das câmeras da TV Justiça e, portanto, longe dos olhos da sociedade e da opinião pública.
A Primeira Turma é formada por Moraes e pelos governistas Flávio Dino, Cristiano Zanin e Cármen Lúcia (outrora uma juíza independente, mas que decaiu nos últimos anos para os lados do gilmarismo e do alexandrismo), além do ministro Luiz Fux, que sempre teve postura de fato independente no Supremo. O resultado, contudo, foi dentro do esperado: venceu o corporativismo, o espírito de corpo, e a decisão ilegal, abusiva e autoritária de mandar banir o X do Brasil foi confirmada por unanimidade pela Primeira Turma. Apenas o ministro Fux fez ressalvas à decisão alexandrina, embora tenha votado para confirmá-la.
Tudo indica que, se o caso fosse ao Plenário, para ser julgado por todo o colegiado do Supremo, a decisão de Moraes seria confirmada mesmo assim por ampla maioria, mas ali, pelo menos, sob as luzes da transmissão pública e sob os olhos questionadores da sociedade civil e da imprensa, alguns ministros poderiam se constranger a apresentar algumas opiniões divergentes, e assim constranger o próprio tribunal a encarar de frente suas ilegalidades supremas. Em uma sessão plenária presencial, em que os ministros debatem frente a frente, a imprevisibilidade é maior e tudo poderia acontecer.
Apesar da manobra de Moraes e da confirmação da decisão pela Primeira Turma, muitos brasileiros não desistiram de lutar por sua liberdade. O Partido Novo entrou com uma ação no Supremo pedindo a cassação imediata da decisão de Moraes, por ser ilegal e inconstitucional, e o impensável aconteceu, um plot twist digno de uma série da Netflix: após sorteio, a ação caiu com o ministro Nunes Marques, justamente um dos ministros que Alexandre de Moraes queria escantear. Cabe a ele, agora, dar a liminar que pode tirar o Brasil deste infame clube de países ditatoriais e censórios que proíbem o X. Nunes Marques peitará Moraes?