“♫ Me diz por que que o céu é azul/ Explica a grande fúria do mundo/ São meus filhos que tomam conta de mim” (Pais e filhos; Legião Urbana).
Quem, aqui, sente saudades daqueles tempos em que frequentar um restaurante poderia ser desagradável por conta da gritaria e correria das crianças?
Em um mundo cada vez mais conectado, onde a tecnologia permeia todos os aspectos da vida, uma tendência tem se tornado comum nas famílias: o uso de dispositivos eletrônicos como forma rápida e eficaz de acalmar bebês e crianças pequenas. Esses aparelhos são entregues aos pequenos como verdadeiras chupetas digitais, oferecendo entretenimento imediato e acalmando crises de choro e inquietação.
Esse termo já vem sendo usado há alguns anos, mas sua prática tem se proliferado muito ultimamente. Estudo da Frontiers in Child and Adolescent Psychiatry, do Canadá, alerta que 26% das crianças de 0 a 4 anos passa mais de 4 horas diante de alguma tela diariamente!
E daí?
Mas o que esse hábito revela sobre a capacidade dos pais de lidar com os desafios naturais da infância? E quais são as consequências a longo prazo para as crianças?
Até pouco tempo, os pais recorriam a métodos tradicionais para acalmar seus filhos. Canções, colo, passeios, conversas eram as principais ferramentas utilizadas para tranquilizá-los em momentos de desconforto. Exigem mais tempo e energia, mas desempenham um papel crucial no desenvolvimento emocional e social das crianças, além de fortalecer os laços entre pais e filhos.
Com a popularização dos dispositivos eletrônicos e a crescente demanda por conveniência, muitos pais encontraram nesses aparelhos uma solução rápida para o choro e a inquietação. Um toque na tela, e pronto: desenhos animados, jogos interativos e músicas instantaneamente capturam a atenção das crianças, acalmando-as magicamente. Parece uma droga injetada na veia! Ou no cérebro!!
Estímulos e consequências
A utilização de dispositivos eletrônicos como chupetas digitais pode ter impactos profundos no desenvolvimento das crianças. Há o risco de dependência precoce desses aparelhos. Crianças que são constantemente acalmadas por meio de estímulos digitais podem se tornar incapazes de lidar com o tédio ou desconforto sem recorrer a uma tela. Isso pode levar à falta de maturidade emocional, pois elas não aprendem a lidar com suas próprias emoções e frustrações.
Além disso, conforme já falei em outro texto aqui, estudos indicam que a exposição excessiva a dispositivos eletrônicos pode contribuir para o desenvolvimento de problemas como ansiedade, déficit de atenção e dificuldades no relacionamento interpessoal. O uso constante de telas desde a primeira infância pode comprometer o desenvolvimento de habilidades sociais e emocionais, que são essenciais para uma vida equilibrada e saudável. Crianças que passam muito tempo em frente a uma tela podem ter dificuldade em se concentrar, em entender as sutilezas das interações sociais e em desenvolver empatia.
Ainda há o impacto na qualidade do sono. A luz emitida por telas eletrônicas interfere na produção de melatonina, o hormônio que regula o sono. Crianças que usam dispositivos eletrônicos antes de dormir podem ter afetados seu desenvolvimento cognitivo e emocional.
Os efeitos dessa prática não se restringem apenas à infância. Há evidências de que a dependência precoce de dispositivos eletrônicos pode persistir na adolescência e na vida adulta, resultando em comportamentos compulsivos (não só com tecnologia).
Paciência
Em muitos casos, a falta de habilidade ou paciência para lidar com os desafios naturais da infância leva os pais a darem as chupetas digitais aos filhos. O tempo parece escasso, a pressão para conciliar trabalho, vida pessoal e a criação dos filhos é enorme, e as pessoas estão com dificuldades de lidar com isso tudo.
Os pais devem assumir seus papéis de pais. O colo, o carinho, as conversas e o tempo dedicado são insubstituíveis para o desenvolvimento saudável de uma criança. Esses momentos de proximidade ajudam a acalmar os pequenos, fortalecem os laços familiares e contribuem para o desenvolvimento de uma base emocional sólida.
Faças as contas: você passa mais tempo (bom, de afeto e conversas) com seu filho ou com suas redes sociais ou aplicativos de mensagens? Ou anda injetando drogas demais na mente dele?