O ministro Alexandre de Moraes foi pego “com a mão na botija” tentando dar um “jeitinho brasileiro” em mais um de seus inquéritos ilegais: de modo silencioso, em pleno domingo, o ministro pediu à Secretaria Judiciária do Supremo Tribunal Federal que “reautuasse” o inquérito que investiga o vazamento de mensagens do gabinete do próprio Moraes. Para contornar uma nova ilegalidade, ordenou que o inquérito fosse transformado em uma “PET”, que significa petição, como se fosse um pedido qualquer protocolado no STF. E mandou distribuir para ele mesmo, é claro, como se tivesse relação com o Inquérito nº 4.781 (inquérito das fake news).
O inquérito havia sido aberto pela Polícia Federal (PF) a pedido do próprio Moraes, muito embora seu foco seja investigar as mensagens vazadas que comprovam ilegalidades e abusos em série cometidos por ele mesmo, em um escândalo que ficou conhecido como Vaza Toga. Ou seja, Moraes está sendo juiz da própria conduta, pois é relator do inquérito que investiga um caso que envolve a atuação dele mesmo e de seus assessores. O que acontece se a PF se deparar com um crime cometido pelo ministro? Moraes vai julgar e inocentar a si mesmo?
A defesa de Eduardo Tagliaferro, ex-assessor de Moraes no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e ex-chefe do órgão de combate à desinformação do tribunal, prontamente denunciou a manobra de Alexandre de reclassificar o inquérito como PET como uma “chicana processual”. Com razão a defesa: a manobra de Moraes foi feita justamente para impedir a anulação da investigação inteira, já que, pelo regimento interno do STF, apenas o presidente do Supremo tem a prerrogativa legal de abrir inquéritos de ofício, ou seja, por iniciativa própria.
Moraes, portanto, está não apenas impedido de ser relator do inquérito que investiga ele mesmo, por ter interesse no resultado da investigação, como sequer poderia ter aberto o inquérito de ofício, poder que apenas o presidente do Supremo detém. Para remendar a irregularidade, que em qualquer outro lugar ensejaria a anulação total do caso, Moraes deu um “jeitinho” e pediu a reautuação do caso, de inquérito para PET.
O problema é que Moraes, além de promover, sim, uma chicana processual, também está apenas mascarando a verdadeira natureza do procedimento, já que as sucessivas PETs abertas por ele em conexão com seus inquéritos ilegais são verdadeiros inquéritos criminais disfarçados. De fato, Moraes solicita neles diligências investigativas à PF e determina medidas cautelares ostensivas contra seus alvos pré-selecionados, como buscas e apreensões, quebras de sigilo, bloqueio de patrimônio e de redes sociais e até ordens de prisão.
A defesa de Tagliaferro fez mais do que denunciar a chicana: os advogados apresentaram uma arguição de impedimento de Moraes ao presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, a quem caberá julgar se seu colega de toga andou achincalhando o devido processo legal e o processo penal democrático (spoiler: a resposta é sim, é claro).
Entretanto, considerando o corporativismo e espírito de corpo que predominam no Supremo, a possibilidade mais concreta é de que tudo acabe em pizza e Moraes siga livre para cometer abusos por mais um dia – ou seriam milhares? A situação só terá fim, de fato, quando o presidente do Senado abrir o primeiro processo de impeachment contra um ministro do Supremo. Aí os ministros que abusaram de seu poder para violar o direito alheio vão rezar para ter os mesmos direitos de defesa que eles negaram aos outros. O tempo dirá.