Aprender uma nova língua abre todo um universo a ser explorado. Não só a comunicação fica facilitada, mas novos conceitos e formas de pensar também são ativados no cérebro. E há quem, ao longo da vida, torne-se um verdadeiro mestre na arte de falar diversos idiomas: são os chamados hiperpoliglotas.
Você provavelmente conhece pessoas que falam uma ou duas línguas estrangeiras. Mas os hiperpoliglotas são aqueles que falam mais de seis idiomas fluentemente. Com frequência, porém, essas pessoas acabam aprendendo dezenas de línguas, embora, é claro, em níveis diferentes.
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Muitas figuras históricas eram hiperpoliglotas – e o interesse por aprender idiomas geralmente está associado a uma mente curiosa, aberta a diversos aspectos do conhecimento.
Um exemplo clássico é o do inglês Richard Francis Burton, que foi um explorador, geógrafo, tradutor, diplomata, espadachim, orientalista, entre muitas outras atividades. Ele se notabilizou por suas jornadas para descobrir as fontes do rio Nilo e, também, por sua peregrinação a Meca disfarçado de um médico afegão.
Curiosamente, Burton viveu no Brasil, mais precisamente em Santos, e traduziu “Os Lusíadas”, a genial obra de Camões, para o inglês.
Hiperpoliglotas brasileiros
Mas não é apenas no passado que vivem os hiperpoliglotas. Atualmente, com toda a facilidade criada pela internet, aprender um novo idioma ficou muito mais acessível, e quem se interessa por esse universo tem bastante conteúdo de qualidade à disposição.
Entre esses conteúdos, estão aqueles produzidos pelo professor, tradutor e intérprete Estevam Fortunato, que também é hiperpoliglota e dono do canal Glossonauta, no YouTube, dedicado ao estudo de idiomas.
Graduado em Letras e pós-graduado em Língua Latina (ambas pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte), ele conta que é até difícil saber quando o interesse por aprender línguas surgiu, já que este elemento está presente em suas memórias mais antigas.
“Eu ficava fascinado quando via um manual de instruções escrito em várias línguas diferentes, inclusive com sistemas de escrita diferentes do nosso”, conta Estevam.
Atualmente, em nível fluente ou avançado, ele fala dez línguas: português, galego, espanhol, valenciano/catalão, occitano, francês, italiano, latim, grego e inglês. “Entretanto, também posso falar romeno, hebraico, árabe e nheengatu, só que não no mesmo nível, pois há assuntos sobre os quais não conseguiria conversar, ou seja, ainda preciso expandir muito o meu vocabulário”, acrescenta.
Apesar de seu interesse por idiomas remontar a uma tenra idade, ele conta que só começou sua série de aprendizados, além do inglês básico da escola, a partir dos 12 ou 13 anos.
Dicas para aprender um novo idioma
Uma pessoa que já aprendeu mais de uma dezena de idiomas certamente tem muito a ensinar para quem está começando. A resposta mais óbvia para quem quer dar os primeiros passos, conforme diz Estevam, seria procurar um bom professor de idiomas. Ele, no entanto, destaca que o seu próprio aprendizado se deu de forma autodidata.
“É muito útil encontrar um bom material para ser a fonte primordial do aprendizado. Há alguns materiais feitos especialmente para autodidatas, como a série “Sem esforço” (ou “Sans peine”, na versão original em francês) da Assimil e a série “Passo a passo” do autor Charles Berlitz“, conta Estevam.
Outro aspecto de extrema importância é “ter um contato constante com o idioma que estamos aprendendo, por meio de textos, música, jogos, aplicativos ou quaisquer outras fontes“.
E o professor também recomenda aos estudantes que pratiquem bastante, não somente com outras pessoas, mas mesmo sozinhos.
“A repetição daquilo que já sabemos nos ajuda “automatizar” esse conhecimento, o que nos permite usá-lo de forma espontânea, sem parar para pensar. Assim, com o tempo, vamos consolidando o que sabemos e percebendo quais são as coisas que não sabemos para podermos pesquisá-las”, explica.
Mercado de trabalho
No mundo globalizado de hoje, falar outros idiomas é de extrema importância, principalmente o inglês. Mas isso pode variar conforme a sua área de atuação.
Uma pesquisa da Catho, por exemplo, aponta que pessoas que falam um segundo idioma podem aumentar o seu salário em até 83%.
De todo modo, mesmo com todas as vantagens profissionais que aprender um novo idioma oferece, um grande número de pessoas não consegue avançar neste tópico em razão de não ter uma afinidade com a língua a ser estudada.
Por isso, para quem está enfrentando essa dificuldade, Estevam reforça que é possível passar a gostar da língua que é preciso aprender.
“Eu recomendaria que a pessoa tentasse fazer uma aproximação com aquilo de que mais gosta. Por exemplo, se alguém tem que aprender inglês, não gosta muito do idioma em si, mas ama obras de fantasia como As Crônicas de Nárnia ou O Senhor dos Anéis, que foram escritas em inglês, pode usar conteúdo dessas obras como uma forma de aproximação ao idioma“, diz.
De acordo com ele, a pessoa pode escrever em algum lugar (ou até memorizar) trechos dos livros ou falas dos filmes e, a partir disso, aprender aquelas palavras.
“Também podemos escolher músicas das quais gostamos muito nesse idioma, pois aprender as letras das músicas e a sua tradução também é de grande utilidade no aprendizado de uma língua. Assim, com o tempo, interagindo com o idioma por meio de coisas que são agradáveis para nós, é possível criar uma associação positiva que nos faça gostar mais dele.”
Benefícios de aprender uma nova língua
Como dito, aprender uma nova língua traz grandes benefícios, além daquele mais evidente, que é o de se comunicar com as pessoas.
O professor Estevam Fortunato destaca que “aprender novos idiomas abre a nossa mente para as diferentes estruturas linguísticas que podem existir para representar diversos conceitos e ideias“.
Dessa forma, é como se alguns caminhos do cérebro fossem desbloqueados e, com o aprendizado do idioma, também se tornasse possível pensar e, em um passo adiante, agir como diferentes povos.
“Também é fascinante observar a variedade que existe no sistema fonético e fonológico das línguas. Comparar diferentes idiomas duma mesma família linguística, analisando a divergência que houve a partir dum ponto comum no passado também é incrível. Observar os idiomas, as suas características e o seu desenvolvimento me fascina como observar a diversidade biológica existente ou a beleza do universo”, complementa Estevam.
Para ele, o simples fascínio pelos idiomas em si já pode ser considerado de grande valor e relevância. “Entretanto, além disso, os idiomas estrangeiros são realmente uma porta pela qual podemos passar para conhecer outras culturas, povos e histórias. Ampliar os nossos horizontes é sempre muito importante para a nossa percepção da realidade“, finaliza.
Histórias de um hiperpoliglota
Além de todos os benefícios trazidos por aprender diversos idiomas, os hiperpoliglotas, frequentemente, também passam por situações curiosas.
Estevam conta que certa vez participou de um encontro com falantes de línguas românicas. O objetivo era reunir falantes de português, galego, espanhol, catalão, francês e italiano para um exercício de intercompreensão. Ou seja, usar como base o conhecimento que cada um tem de sua própria língua para se acostumar com as demais línguas da mesma família e se tornar capaz de ler textos e se comunicar com os falantes desses outros idiomas.
Por isso, não necessariamente as pessoas ali presentes falavam outras línguas além da sua de origem. Foi aí que Estevam pôde aproveitar o fato de ser um hiperpoliglota para criar uma conexão com os outros participantes.
“Ao final do evento, eu conversei brevemente com eles na língua materna de cada um, o que os deixou muito surpresos. Foi engraçado ver o sorriso no rosto deles durante a nossa conversa”, relembra.
Como manter tantas línguas?
E, se aprender tantos idiomas já demanda muito trabalho, mantê-los também exige esforço. Estevam afirma que se empenha para ter contato contínuo com todas as línguas que fala.
“Por exemplo: quando decido ler um artigo na Wikipédia sobre cosmologia, leio em grego; quando vou jogar algo, jogo em italiano; vejo vídeos no YouTube em francês; ouço música em latim; etc. Além disso, muitas cidades têm encontros presenciais para praticar idiomas, e a internet também nos permite interagir com falantes de diferentes idiomas”, ressalta.
Os hiperpoliglotas, aliás, costumam realizar eventos e criar associações para poderem compartilhar experiências e avançar em técnicas para aprender idiomas.
Estevam conta que faz parte de algumas comunidades, mas já não é tão ativo hoje em dia por estar sempre ocupado com o trabalho e, também, por ser um pouco introvertido.
Entretanto, ele segue compartilhando seu conhecimento por meio de suas redes sociais e de suas atividades profissionais. Atualmente, portanto, há muita gente qualificada ajudando quem precisa aprender um novo idioma. Com foco e dedicação, é possível alcançar o seu objetivo de falar uma língua estrangeira – e se você tomar gosto pela coisa, quem sabe também não se torne um hiperpoliglota.