Sem filtros – e o que isso afeta seus filhos

Foto: Freepik

Por: Raphael Rocha Lopes

23/07/2024 - 10:07 - Atualizada em: 23/07/2024 - 15:21

“♫ A sua coisa é toda tão certa/ Beleza esperta/ Você me deixa à rua deserta/ Quando atravessa/ E não olha pra trás” (Você é linda; Caeteano Veloso).

Estamos, e não é propriamente de agora, vivendo uma certa ditadura da beleza, apesar de que o belo é um tanto quanto subjetivo. De todo modo, criou-se, especialmente pela indústria publicitária, atendendo aos anseios de seus clientes, um perfil que se enquadra no que muitas mulheres desejam ser, ainda que algumas neguem. E a culpa nem é da Barbie. Lá se foram os tempos de Peter Paul Rubens, Ticiano Vecelli, Fernando Botero…

Homens também estão se entregando a tal ditadura. Corpos malhados e rostos harmonizados, apesar de que algumas harmonizações desarmonizam qualquer senso razoável e outras parecem criar um formato padrão de humano.

E se a vida imita a arte, as crianças imitam os adultos!

Filtros na internet

Hoje não falo dos filtros que podem ser utilizados para limitar uma busca de compras ou restringir o acesso a alguns sites. Os filtros desse papo são aqueles das plataformas de redes sociais para deixar o usuário mais bonito, ou agradável. Pessoas harmonizadas instantaneamente, sem agulhas e sem dor.

Mágica, e como toda mágica, efêmera. Saiu do mundo virtual, o filtro some. E isso pode gerar alguns desconfortos. Aquele rosto bonitinho do aplicativo de namoro pode se tornar um trubufu no encontro presencial. Mentira tem pernas curtas, ou, agora, tempo de tela.

O fato é que, apesar de tudo o que se fala e escreve, ainda há pessoas que acreditam que aquelas beldades são lindezas de carne e osso e pele, sem nada a ser reparado, perfeitas. Principalmente crianças e adolescentes. Mas, é verdade, muitos jovens e adultos também acreditam.

A ditadura e as crianças

Ditadura, por definição, é aquele regime de governo antidemocrático, sem participação popular efetiva, permeado por censura, falta de transparência e de liberdade. Dói na alma, na mente e no corpo (daqueles que são torturados).

Essa definição quase parece a de uma plataforma de rede social. Não é de hoje que se discute a falta de transparência da relação das redes sociais com seus usuários (clientes ou consumidores, como queiram chamar). O domínio que as grandes plataformas têm culminam em certa falta de liberdade desses mesmos usuários.

E, com isso tudo, ainda vem a imposição da beleza que, sejamos justos, não começou com as redes sociais; é de muito antes. Mas se fortaleceu e potencializou com as redes sociais.

Essa ditadura da beleza, ainda mais escancarada com os filtros para fotos, especialmente de rostos, está criando um desvirtuamento da noção de realidade de muitas crianças e adolescentes. Tudo é belo, é lindo, é maravilhoso. Não existem espinhas, peles porosas ou manchadas, ou com qualquer outra falha.

Associado a isso, ainda, a nova distância de se ver – ou da autoimagem. Antigamente, as pessoas se viam apenas nos espelhos ou nas fotos. Agora, nas selfies (as fotos de si próprios à distância de um braço – ou menos). Se existe aquele ditado que diz que de perto ninguém é normal; agora também tem aquele que diz que de perto, para si próprio, ninguém é o que sempre pareceu ser.

Essa neura dos adultos, que buscam incessantemente harmonizações faciais ou filtros nas redes sociais, já contamina crianças e adolescentes.

Por isso, a dica de sempre, quase um mantra dessa coluna: cuidem com o que seus filhos estão fazendo na internet e evitem ao máximo o acesso das crianças a celulares e tablets. E nunca para bebês.

Em tempo: já há grande discussão, mundo afora, sobre a obrigatoriedade de informar a utilização dos filtros nas publicações de redes sociais. Mas esse é um papo para um próximo texto.

 

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Raphael Rocha Lopes

Advogado, autor, professor e palestrante focado na transformação digital da sociedade. Especializado em Direito Civil e atuante no Direito Digital e Empresarial, Raphael Rocha Lopes versa sobre as consequências da transformação digital no comportamento da sociedade e no direito digital. É professor da Faculdade de Direito do Centro Universitário Católica Santa Catarina e membro da Associação Brasileira de Lawtechs e Legaltechs.