O ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), considerado o pior ministro da corte pelos brasileiros segundo pesquisas recentes, disse em julho de 2020 que o STF atua como “editor de uma nação inteira”. Editar é suprimir, alterar ou inserir palavras em um texto. Toffoli estava se referindo, é claro, ao infame inquérito das fake news, o ovo da serpente de todos os abusos e ilegalidades que vivemos hoje no Brasil nas mãos do Supremo, e que havia sido aberto pelo próprio Toffoli em 2019, durante seu mandato como presidente da Corte. O STF está interferindo na liberdade de expressão no Brasil.
Mas não para por aí. Eis que a frase de Toffoli era profética: nesta semana ficamos sabendo que o STF abriu uma licitação, no valor de R$ 350 mil, para escolher um serviço de monitoramento de conteúdos nas redes sociais que mencionam o Supremo. Os excelentíssimos ministros não querem apenas saber o que é falado deles nas redes sociais: eles querem também saber quem são os usuários falando do Supremo, especialmente se estiverem falando mal. As informações podem até mesmo ser enviadas para a Polícia Federal (PF), a depender do seu conteúdo.
O monitoramento vai incluir até mesmo o georreferenciamento dos usuários, isto é, a identificação de sua localização por meio do uso de sinais de satélite. Então tenha bastante cuidado, leitor: se essa licitação for para frente, toda vez que você usar seu celular para reclamar de algum ministro do Supremo nas redes sociais, saiba que o grande olho do STF (e o da PF) estará pairando sobre você, seguindo todos os seus movimentos.
É um verdadeiro Big Brother, para ditadura nenhuma botar defeito. O STF pode até inspirar países como Coreia do Norte, Irã e Venezuela a imitarem sua iniciativa, já que eu desconheço outras supremas cortes no mundo com tamanho poder. Esse poder de vigilância e de monitoramento é tão perigoso que, veja só, o próprio Supremo proibiu que o governo federal fizesse a mesma coisa em 2020, quando a Secretaria de Comunicação do então governo Bolsonaro contratou uma empresa para monitorar as redes sociais. Se o Poder Executivo, representado pelo governo federal, não pode, por que o Supremo, que representa o Poder Judiciário, poderia?
A ministra Cármen Lúcia, que ao contrário de Toffoli tem a melhor avaliação entre os ministros do Supremo, foi a relatora da ADPF 764, proposta pela Rede Sustentabilidade para brecar a iniciativa do governo de monitorar os cidadãos. Em seu voto, a ministra Cármen foi enfática: a Secretaria de Comunicação não tem atribuição constitucional e legal para monitorar as redes sociais de quem quer que seja, de modo que a tentativa de espionagem viola a liberdade de expressão e os princípios da impessoalidade e da moralidade, que regem a administração pública. A fundamentação cabe como uma luva para o próprio Supremo. Como o Supremo julgaria o Supremo?
As Supremas Cortes existem para garantir a constitucionalidade das leis e dos atos administrativos do Estado. Existem para guardarem a Constituição, que, por sua vez, existe para proteger os direitos fundamentais das pessoas contra o Estado. O poder do Estado vem das pessoas; as pessoas que fiscalizam e monitoram o Estado, e não o contrário. Somos nós que devemos exercer a vigilância contra quem detém o poder, e não os poderosos que devem nos vigiar para garantir que não vamos criticá-los.
Se o objetivo do Supremo é transformar o Brasil em uma magistocracia, que é a ditadura de togados que nunca receberam um voto sequer nas urnas, então eles estão no caminho certo. A questão é: o Congresso vai deixar? O povo vai deixar?