O economista Mansueto Almeida esteve em Jaraguá do Sul na noite de quinta-feira (6) para realizar uma palestra na Scar (Sociedade Cultura Artística), em que analisou o atual cenário econômico e falou sobre o futuro do Brasil.
Ex-secretário do Tesouro Nacional e atual economista-chefe do BTG Pactual, Almeida acumula experiência nos setores privado e público, e é um dos economistas mais respeitados do país.
A palestra dele foi organizada pelo OCP News e fez parte dos eventos em comemoração aos 105 anos de fundação do jornal, impresso em circulação mais antigo de SC.
Conforme Walter Janssen Neto, presidente da Rede OCP de Comunicação, o objetivo da vinda de Mansueto Almeida foi presentear a sociedade com uma palestra relevante.
“Em nome da Rede OCP de Comunicação, agradeço aos nossos colaboradores, assinantes e anunciantes pelo sentido que dão ao nosso negócio. Este evento é uma forma de retribuir a confiança e a parceria que tornaram possível nossa trajetória centenária. Comemoramos juntos esta data especial”, disse Janssen.
Antes da palestra, Mansueto Almeida também participou de uma reunião com a diretoria da empresa WEG. Confira a entrevista com o economista que aborda as recentes reformas econômicas e os principais desafios do Brasil para os próximos anos:
Ao longo dos últimos anos, tivemos reformas importantes, como a trabalhista, a da previdência e, mais recentemente, a tributária. Qual a avaliação que o senhor faz do impacto que isso trouxe, ou ainda vai trazer, para a economia brasileira?
Todas essas reformas tiveram um efeito muito importante ao longo dos anos. Por exemplo, depois da pandemia, o Brasil tem surpreendido no ritmo de crescimento do PIB, sempre acima das expectativas dos analistas econômicos. Neste ano, até abril já geramos 958.000 postos de trabalhos formais, um crescimento de 33% em relação aos primeiros quatro meses do ano passado, que já havia sido forte.
A reforma tributária, se a regulamentação for bem feita, poderá ajudar muito o crescimento do Brasil no futuro, mas para que isso aconteça teremos de ter atenção especial com a regulamentação dessa reforma. Um ponto de atenção. A reforma da previdência ajudou muito a controlar o crescimento da despesa da previdência, mas a política de reajuste real do salário mínimo acelera o crescimento dessa despesa. Assim, teremos que, em algum momento, discutir a desvinculação do piso da previdência ao salário mínimo e/ou fazer uma nova reforma da previdência.
Um fator decisivo para a economia de um país é a produtividade. No entanto, constantemente os alunos brasileiros ficam nos últimos lugares em testes internacionais, e a educação básica é um dos pilares da produtividade. O senhor consegue ver algo sendo feito, em termos de políticas públicas, que possa dar otimismo para o crescimento da produtividade nos próximos anos?
Esse é um dos maiores desafios do Brasil, porque estamos passando por um processo de envelhecimento muito rápido e o nosso crescimento no futuro vai depender do crescimento da produtividade, que está ligado à qualidade da educação. O Brasil gasta com educação mais ou menos 6% do PIB, valor muito próximo aos países da OCDE. Só que a qualidade da educação ainda é muito baixa.
No entanto, apenas em meados da década de 90 começamos a investir de forma mais consistente no ensino fundamental e básico com a criação do Fundef e depois o Fundeb. Acho que o grande desafio daqui para frente é focar na qualidade do ensino, o que significa também treinar melhor os professores e tentar replicar alguns casos de sucessões que temos em alguns estados e municípios.
Sempre que se fala em crescimento surge o exemplo da Coreia do Sul, que a partir da década de 60 cresceu exponencialmente, com um grande foco também em industrialização. Esse modelo de apostar na industrialização ainda é uma pauta moderna ou há outros exemplos mais recentes que podemos começar a mirar?
Antigamente crescimento sustentável estava, necessariamente, ligado ao crescimento da indústria. Hoje, a fronteira do que é indústria e o que é serviço não é muito clara. Até mesmo um país que produz e exporta commodities, como é o caso do Brasil, tem muita tecnologia incorporada na produção de commodities.
O importante para o crescimento de longo prazo é produtividade e o crescimento de qualquer setor de economia acaba tendo algum impacto positivo, por exemplo, no crescimento da indústria. O Brasil poderá se beneficiar desse movimento de relocalização de cadeias globais de produção, mas é difícil apostar que, em um país tão rico em commodities agrícolas e minerais, o nosso carro-chefe será o crescimento da produção industrial. Mas a indústria crescerá com o crescimento da agricultura, com a exploração de minérios e petróleo, e com o investimento em energia renovável.
No governo anterior, do qual o senhor fez parte, tínhamos um viés liberal, muito focado em contenção de gastos públicos. Agora temos um governo com uma visão diferente, e o fim do teto de gastos é um exemplo. Quais os principais obstáculos que o Brasil pode enfrentar indo por esse caminho?
Vale lembrar que o governo atual, apesar da crítica ao teto de gastos de 2016, definiu também um novo teto de gastos cujo crescimento da despesa não financeira do governo central é limitado a 2,5% aa. Mas a maior parte do ajuste fiscal anunciado de quase R$ 300 bilhões, que agora será menor com a revisão das metas, é fortemente dependente do aumento da arrecadação. Aqui temos dois problemas.
Primeiro, o Brasil já tem uma carga tributária de 33% do PIB, que é muito acima da média da América Latina, que é de 22% do PIB. Se o foco for simplesmente aumentar mais ainda a carga tributária, isso vai prejudicar o crescimento da economia. Segundo, o governo precisa definir ainda um maior controle do crescimento da despesa obrigatória para poder respeitar o limite de 2,5% no crescimento total da despesa. Hoje, com as regras de vinculação da despesa à receita e ao salário mínimo é impossível essa regra nova do teto ser cumprida ao longo dos anos.
O mundo vem passando por mudanças profundas com a ascensão de diversos países do chamado Sul Global. Há muitas previsões indicam que, nos próximos anos, as economias da China e da Índia vão ultrapassar a dos Estados Unidos. Vamos ter também um grande crescimento da Indonésia, que poderá ficar entre as cinco maiores economias. Dentro desse novo cenário, que oportunidades o Brasil poderá ter e no que nós deveríamos começar a focar?
O Brasil tem muitas oportunidades, porque, mesmo com crescimento menor da China, o consumo de alimentos deverá aumentar, o que favorece a nossa agricultura e as nossas exportações. Apesar de termos no pós-pandemia um mundo mais protecionista e conflitos geopolíticos, o Brasil é visto como um país relativamente neutro, o que nos possibilita ter como os dois maiores parceiros comerciais os Estados Unidos e a China, dois países que estão em um crescente conflito comercial. Vale lembrar que terminamos 2022 com saldo recorde da balança comercial de US$ 62 bilhões e, no ano passado, tivemos um novo recorde do saldo da balança comercial, de US$ 98,8 bilhões. O Brasil passou a ser uma economia que conseguirá gerar todos os anos um saldo de braço comercial perto de US$ 100 bilhões, o que é uma situação muito confortável.
Não há muito mistério sobre o que fazer. Temos que melhorar radicalmente a qualidade da nossa educação, continuar aprovando reformas estruturais, conciliar o nosso crescimento com agenda de respeito ao meio ambiente e fazer o ajuste fiscal para permitir uma queda sustentável da taxa de juros longa no Brasil. Adicionalmente, temos que continuar tentando assinar acordos comerciais como o da União Europeia e Mercosul.