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Civil salva civil – Deltan Dallagnol

Por: Deltan Dallagnol

15/05/2024 - 06:05

 

Em uma calamidade como a que está acontecendo agora no Rio Grande do Sul, é comum que vejamos o ser humano em seus dois extremos: o melhor e o pior. O melhor, é claro, é o trabalho incansável dos civis e voluntários que estão salvando as pessoas no braço, bem como das forças policiais, bombeiros, médicos, enfermeiros, empresários e cidadãos do país inteiro que estão doando para ajudar as vítimas das enchentes. Ao contrário do que disse uma grande rede da mídia tradicional, não é falso que “civil salva civil”. Há inúmeras provas disso, basta abrir as redes sociais.

O pior, por outro lado, está nos relatos de atividades criminosas de todos os tipos justamente no momento em que o Rio Grande do Sul está debaixo d’água, em que a população está extremamente vulnerável, os recursos são escassos e o Estado está ausente em diversos lugares. Essas são as condições perfeitas para que o crime organizado e bandidos de rua se adaptem à tragédia, aproveitando as circunstâncias para cometer todo tipo de crime com impunidade. Até agora, 54 pessoas já foram presas por crimes praticados durante a calamidade, sendo que 11 delas foram presas por crimes praticados nos abrigos.

Dentro dos abrigos, alguns dos casos mais horrendos são os de abusos sexuais e estupros em vários pontos do Rio Grande do Sul. Muitas crianças que foram resgatadas estão separadas de seus pais ou outros familiares, o que as coloca em uma situação de extrema vulnerabilidade – um prato cheio para os pedófilos. Na cidade de Viamão, na região metropolitana de Porto Alegre, um homem foi preso depois de estuprar uma menina de 6 anos que estava sem os pais. Quantas outras crianças estão correndo esse risco neste exato momento?

Traficantes estão roubando as canoas e os barcos de voluntários usados nos salvamentos e depois utilizando as embarcações para suas atividades criminosas. Em Canoas, uma das cidades mais atingidas pelas enchentes, a Polícia Civil prendeu traficantes que levavam um carregamento de 11 quilos de cocaína, com valor estimado em R$ 350 mil. Na mesma cidade, a polícia também apreendeu mais de 15 quilos de maconha e crack.

Não é exagero dizer que a situação dos gaúchos estaria muito pior sem a atuação dos civis e dos voluntários, mas especialmente a dos civis e voluntários armados, que tiveram que substituir o próprio Estado na tarefa de garantir a segurança da população. Em vários vídeos postados nas redes sociais, vemos moradores patrulhando seus próprios bairros de lancha com armas de fogo na mão, sua única defesa em casos de saques, roubos e vandalismos.

Foi apenas 6 dias atrás que o governo Lula anunciou o envio de apenas 400 agentes da Força Nacional para o Rio Grande do Sul, o que não dá nem um agente por abrigo, já que o estado tem hoje 722 abrigos espalhados por seu território, que acolhem mais de 14 mil pessoas. A Força Nacional tem mais de 42 mil agentes capacitados e prontos para servir. O governo federal entrega migalhas: menos de 1% dos seus agentes. Se uma situação apocalíptica como a do Rio Grande do Sul não merece o envio de um grande contingente de homens para lá, que outra situação mereceria?

Essa é a hora para os políticos e os governantes colocarem a mão na massa para resolver os problemas mais urgentes do Rio Grande do Sul, como os de segurança pública, mas se os governos federal e estadual não agirem logo, a reconstrução do estado poderá ser atrasada por anos, talvez até mesmo décadas. A Justiça, em vez de contribuir para a proteção das pessoas, recomendou que as prisões preventivas dos criminosos sejam raríssimas e que as prisões existentes sejam reanalisadas, o que colocaria mais bandidos na rua neste momento delicado para praticarem crimes.

As críticas à incompetência, à insuficiência ou à inaptidão das medidas dos governos federal e estadual são legítimas – mais uma vez, não são parte de uma grande “fake news”. E elas têm feito o governo se mexer e retirar burocracias, levantando por exemplo restrições da ANTT à movimentação de caminhões com doações. Como os brasileiros sabem, não dá para colocar sua fé em políticos, então eles mesmos estão fazendo isso, salvando e reconstruindo o Rio Grande do Sul no braço, o que nos dá um grande orgulho de ser brasileiro. Sim, é verdade: civil salva civil.

 

 

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