O Gerar (Grupo Especialista em Resgate de Alto Risco), de Jaraguá do Sul, é uma das equipes que atua na catástrofe que assola o Rio Grande do Sul. Os voluntários trabalham de forma incansável para mitigar o sofrimento das pessoas que estão sob risco diante de enxurradas, enchentes, deslizamentos e outros eventos causados pelas chuvas no território gaúcho.
O coordenador de Missões do Gerar, Wanderlei Roberti, liderou a primeira leva de voluntários da entidade. O grupo com 24 integrantes, entre eles técnicos de enfermagem, médico e fisioterapeuta, seguiu para Candelária, município a cerca de 180 quilômetros de Porto Alegre.
Wanderlei conta que havia uma aparente tranquilidade nos primeiros quilômetros de incursão no solo gaúcho. Porém, conforme os veículos seguiam rumo ao interior, as cenas de destruição ficaram cada vez mais comuns.
“Nós encontramos um cenário de guerra, de devastação, de destruição total. Para você ter uma ideia, árvores foram arrancadas, barreiras caíram. Não existiam ruas, algumas delas viraram rios. A nossa equipe tirou vítimas de residências em que o curso do rio passava por dentro delas. Foi desolador”, descreve.
Extração de vítimas
O voluntário conta que a primeira missão dada pelo comando do Corpo de Bombeiros Militar do Rio Grande do Sul local era seguir para buscar pessoas em isolamento total. Sem teto para o voo dos helicópteros, a única possibilidade de acesso a essas vítimas seria por terra. Porém, não havia nenhuma estrada trafegável para essas localidades.
“Nós tivemos que criar os acessos, abrir picadas, subir barreiras de cinco metros de altura para chegar até essas pessoas. Nós chegamos a transpor rios de 30 metros de largura sem vítimas e havia a necessidade de preparação com cordas para a segurança da equipe. Porém, carregamos vítimas em macas por corredeiras de quatro metros de largura e aí fizemos tirolesas para realizar a transposição”, frisa.
“Não havia nenhuma outra possibilidade de chegar nessas pessoas. Esses moradores estavam totalmente desamparados e, quando a gente chegou, houve um pingo de esperança. Elas viram que poderiam sair daquela situação. Elas perguntavam o que estava acontecendo nos outros locais e se chocaram com o que a gente contava”, completa.
Em um primeiro momento, os voluntários tinham uma área de cerca de 30 quilômetros para percorrer. Com a equipe multidisciplinar, eles tinham a missão de levantar quantas pessoas estavam nessas áreas isoladas e qual era a situação delas.
“Nessa primeira missão, nós fizemos o resgate de seis pessoas até uma área segura. O nosso médico, com o auxílio do fisioterapeuta e dos técnicos de enfermagem, realizaram o atendimento clínico de 30 pessoas nas residências. Uma das pessoas que nós atendemos foi uma senhora com pós-cirúrgico e que havia uma preocupação grande dos bombeiros militares. Ela estava bem e com medicação”, conta.
“Havia uma mulher que estava sem gelo para manter a refrigeração da insulina. Como não havia energia, ela mergulhou a insulina em água gelada. Então, nós fomos até um vizinho que tinha um gerador e ele tinha litros com gelo. Pedimos esse gelo para levar até a mulher, mas ele nos garantiu que iria levar até ela. Isso mostra a solidariedade entre as pessoas vítimas dessa catástrofe”, lembra.
Emoção
Wanderlei ficou emocionado ao compartilhar as cenas tristes que vivenciou dentro do cenário de tragédia. Ele mencionou a história de uma mulher carregada por cerca de 10 quilômetros e das dificuldades de transpor os obstáculos que foram impostos pela chuva torrencial que assolou a região. Ao lembrar da chance que deu para as pessoas desamparadas, o guerreiro do Gerar chorou.
“Eu senti alegria, esperança. Você deixa sua cama quente, a família e vai para lugares que não conhece para fazer a diferença. Você treina para fazer a diferença, se dedica e se esforça. Nós pegamos pessoas que não tinham condições de sair de casa. Havia um senhor que estava há dias sem tomar água e não tinha forças para caminhar. A gente deu soro para ele e vi ele recuperar um pouco da energia”, narra.
“Naquela travessia que a gente fez de 20 quilômetros, eu estava com duas barras de cereal, um pacote de uva-passa, um pacote de granola e uma lata de atum. Numa casa que estava inteira, estavam abrigados, o filho, a avô e o netinho, de um ano e meio, assustado. Eu peguei a minha barra de cereal e ofereci a criança. Ela pegou com muito gosto e comeu. Aquele dia todo eu passei com uma barra de cereal, um pedaço de pão de amendoim que ganhei de uma senhora e oito tangerinas que peguei pelo caminho. E não faltou energia. Quando você faz o que gosta com fé, Deus ajuda a transpor os obstáculos. O brilho no olhar daquela criança não tem preço”, finaliza.