O ministro Gilmar Mendes (sempre ele), do Supremo Tribunal Federal (STF), é uma das grandes estrelas da minha coluna aqui no OCP. Desta vez, durante a participação do ministro em mais um evento chique na Europa, Gilmar deu uma entrevista para um jornal português, onde disse que “é um total exagero que haja uma censura judicial no Brasil”.
O leitor inteligente do OCP sabe que, na verdade, o exagerado é o Gilmar: a censura judicial no Brasil existe e está fartamente documentada e comprovada. Eu poderia, nas próximas linhas, me dedicar a explicar como o ministro Gilmar, mais uma vez, tenta enganar as pessoas com frases de efeito vazias, mas prefiro responder ao ministro de outra forma. Ministro Gilmar, sabe o que eu acho exagerado?
Eu acho exagerada a quantidade de vezes que você viaja para fora do país, com tudo pago sabe-se por lá quem e sem qualquer transparência, para dar palestra para empresários, lobistas e grandes figurões da República em locais chiques como Nova York, Londres, Paris, Madrid e Lisboa. Eu acho exagerado que os patrocinadores desses eventos a que o senhor comparece tenham causas que serão julgadas pelo Supremo, cujos ministros estão recebendo vantagens na forma dessas viagens de luxo.
Eu acho exagerado quando, em um desses eventos, você disse que Lula e a classe política corrompida devem seus cargos e suas eleições ao Supremo, que segundo o senhor, “enfrentou a Lava Jato”. Eu acho exagerado quando o senhor diz com naturalidade que Lula só saiu da cadeia, teve suas condenações anuladas e foi reabilitado a ser candidato a presidente porque o Supremo permitiu, dando a entender que agora todos eles devem ser gratos ao Supremo por este especialíssimo favor.
Eu acho exagerado quando você dá inúmeras entrevistas para a imprensa, falando fora dos autos sobre casos e temas que irá julgar depois no Supremo, o que é vedado pela Lei Orgânica da Magistratura. Eu acho exagerado quando você antecipa a culpa de Bolsonaro e outros investigados nos casos do 8 de janeiro, por suposta tentativa de golpe, enquanto ataca os casos da Lava Jato e os agentes da lei que atuaram na operação.
Eu acho exagerado quando você xinga os agentes da lei que trabalharam na Lava Jato com palavras de baixo calão, como quando nos chamou de “gângsters”, “cretinos”, “gente baixa”, “organização criminosa”, “esquadrão da morte”, “torturadores”, “gentalha”, “crápulas”, todas ofensas pelas quais a União foi condenada a me indenizar em seu lugar.
Eu acho bastante exagerado quando você liga para senadores da República para fazer ofensas quando estes mesmos senadores votam projetos de lei que lhe desagradam, como a imprensa reportou em peso que o senhor fez com o senador Jaques Wagner, quando ele votou pela aprovação da PEC que restringe o poder dos ministros do STF de darem decisões monocráticas.
É exagerado ainda quando influencia decisões do presidente sobre indicações, pressionando autoridades – mas o que mesmo torna seus pedidos influentes? É alguma virtude desconhecida? Seria por acaso uma disposição para rasgar a lei para beneficiar aliados e prejudicar adversários? Por que um presidente se curvaria a seus pedidos se o seu poder estivesse na lei, em vez de estar nas suas mãos e vontade pessoal a despeito da lei?
Há muitas outras coisas que você faz que eu considero exageradas: enquanto você não responder por elas, e enquanto os donos do poder não pararem de exagerar em seus abusos, que vão desde a corrupção até a censura e a restrição dos seus direitos, os brasileiros não deixarão de reagir e de lutar pela liberdade. Lutar por liberdade e por direitos diante da tirania e da opressão não é exagero: é justiça.