Aos 12 anos de idade, Liberato Russi, hoje com 73, virou comerciante. Com ovos, manteiga e algumas frutas cultivadas pelo seu pai, passava de porta em porta no Centro de Jaraguá do Sul na década de 1960 oferecendo produtos fresquinhos. Era o começo de uma trajetória cheia de desafios vencidos com determinação e positividade.
A história de Liberato se mistura com a história de Jaraguá do Sul. Afinal de contas, entre seus primeiros clientes estavam figuras como Eggon e Laura da Silva, Geraldo Werninghaus, Vitor Emmendoerfer, Werner Voigt, a família Donini, e comerciantes como Foto Loss e Foto Piazera.
A profissão que guiou a vida dele surgiu da extrema necessidade. Desde os 10 anos, quando a família morava na localidade de Nereu Ramos, Liberato, o mais velho, era responsável por cuidar dos irmãos e ajudar o pai, Herculano, por conta da saúde frágil da mãe, Fiorentina.
“Ela tinha problemas de nervos e isso incomodava muito a vida da gente. Vou me emocionar, mas faz parte, foi muito difícil a vida da gente, a mãe sempre doente”, relembra com lágrimas nos olhos.
Quando a família se mudou para o Centro, para uma propriedade próximo de onde hoje fica a Comunidade Nossa Senhora Do Perpétuo Socorro, em um Czerniewicz ainda rural, o primeiro ano de pouca produção levou Liberato, ainda menino, a querer ganhar dinheiro para a família.
“Eu ia com carrinho carregado de banana, aipim, tangerina, batata-doce, vender de porta em porta nas casas”, conta. “Nisso surgiu de ir a Nereu Ramos de bicicleta para comprar queijo, manteiga e ovos. Colocava os ovos amarradinhos na palha de milho, para não quebrar, e daí eu vinha vender em Jaraguá”.
No Mercado Municipal
Essa aptidão natural para o comércio logo foi notada. Quando tinha cerca de 14 anos, relembra Liberato, foi convidado para trabalhar na verdureira do Mercado Municipal pelo então proprietário Antonio Klein, que virou seu segundo pai.
Morando com a família Klein, trabalhava dia e noite, e dos 13 cruzeiros que ganhava na época, destinava 10 para que o pai sustentasse a família. “Quando a verdureira estava calma, eu fazia pacotinhos de maçã, de laranja, de tomate, de batatinha, de cebola e ia vender de loja em loja na Getúlio Vargas”, diz. “Eu saía perto da Estação e ali tinha uma Guarapera antigamente, do seu Kamer, ali era meu lugar de tomar capilé com mata fome”.
No final da década de 1970, seu Antônio passou o ponto para ele, que se juntou a Valério Kasmirski, seu sócio por muitos anos. Dali, Liberato viu Jaraguá do Sul crescer, o paralelepípedo chegar, o movimento aumentar e gradativamente o negócio expandir.
O grande verdureiro da cidade
Com Jaraguá do Sul se desenvolvendo, o interesse pela sala do Mercado Municipal começou a ameaçar os negócios. Foi então que Liberato e Valério abriram o Comercial Liva, que faria história na cidade.
“Tinha o vinagre que era do Brandenburg, próximo ao Restaurante Pavanello, e ali tinha um açougue que era do Theilacker. Eu conversei com eles, pra saber se não queriam vender pra gente montar um mercadinho e uma verdureira”, comenta.
Anos depois, o negócio cresceu e foi comprado pela família Breithaupt. Dessa negociação, Liberato se tornou fornecedor de frutas e verduras de toda a rede de supermercados, o que exigiu a busca por um espaço maior.
Os sócios, no começo da década de 1980, construíram seus primeiros galpões na rua Ida Bona Rocha, onde tinha uma área de atacado para fornecer uma cartela de supermercados, que incluía também Sesi e rede Vitória, e muitos restaurantes. “No outro lado nós tínhamos o varejo, um galpão grande, enorme, era uma verdureira maravilhosa. Eu era famoso naquela época”, destaca.
Liberato construiu tudo ao lado da ex-mulher Maria de Lourdes – hoje uma grande amiga -, e das filhas Luciane, Lucimara e Lucélia, suas fiéis ajudantes e inspiração para seguir adiante.
Foi uma época de muito, muito trabalho. Dia e noite. Liberato chegava a ir a Curitiba três vezes ao dia em busca de produtos frescos, ia a Fraiburgo e Urubici em épocas de colheita de maçã.
O negócio expandiu e durante esses anos ele ainda teve negócios perto do Kolbach, na Marechal e também na rua Ângelo Schiochet.
Crise e recomeços
Foram anos de muita abundância financeira que Liberato fazia questão de retribuir à comunidade. Sem muito alarde, ele distribuía alimentos que sobraram da semana entre dezenas de famílias carentes e também atuava na comunidade da Matriz São Sebastião.
Mas com a hiperinflação no final dos anos 1980, mudança para o plano Real, a instabilidade se instalou. “Comecei a perder dinheiro com clientes que deixaram de me pagar, muitos restaurantes, comecei a emprestar dinheiro e fui dando ré”, diz.
Liberato foi vendendo as propriedades para honrar as dívidas, encarou um divórcio, e se viu sem nada. “Para mim a vida tinha se acabado. Cansaço de uma vida. Quantas noites eu perdi, quantos cafés e pão seco na estrada para economizar dinheiro, conseguir as coisas, conseguir vencer… Tudo isso a gente sente, sabe?”, conta sobre o período difícil em que encarou uma depressão entre 2001 e 2002.
Apesar das dificuldades, ter a família ao seu lado, foi o que o motivou a continuar. Logo conheceu Geni, sua companheira até hoje, e ganhou dois filhos, Denise e Jonatan, que hoje é seu braço direito em uma empresa que fornece morangos de alta qualidade em toda a região.
Esse recomeço só foi possível por conta de uma lei universal para Liberado. Quando estava sem condições financeiras para começar o novo negócio, recebeu um amparo que não pediu e nem imaginava. Velhos conhecidos souberam da sua situação e trouxeram a condição necessária.
“Deus foi tão bom para mim que ele deu tudo de volta, o que eu precisava ter. Tudo que você planta, você colhe, pessoas que eu ajudava, como a dona Carmen Donini, o seu Ari [do Restaurante Califórnia], pessoas que eu fiz o bem sem pensar o que ia acontecer comigo, essas pessoas me ajudaram”.
A família é seu legado
Hoje vivendo em Guaramirim, sua maior alegria é a família unida ao redor da mesa. Para a entrevista que deu ao OCP, seus cinco filhos fizeram questão de estar ao lado do pai para relembrar a história. Um amor que transborda os olhos.
Disposição, determinação, humildade, retidão e essência foram palavras trazidas pelos filhos para definir esse legado. “Nós estamos juntos, se é para chorar junto, nós choramos, mas não desanimamos”, completa. “Meu pai dizia: filhos, o orgulho que a gente tem na vida é a família unida, é a coisa mais linda que existe”.