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A nova moda do STF: quem legisla mesmo é o Judiciário – Deltan Dallagnol

Foto: Divulgação

Por: Deltan Dallagnol

13/09/2023 - 06:09 - Atualizada em: 17/01/2024 - 15:58

O STF nos deu mais uma prova, na última segunda-feira (11), de que quem legisla no Brasil atual é mesmo o Judiciário, durante a conclusão do julgamento a respeito da constitucionalidade da contribuição assistencial, taxa cobrada por sindicatos. Por 10 votos a 1, o tribunal decidiu que esse pagamento é obrigatório, o que na prática significa a “volta” do falecido imposto sindical, cuja obrigatoriedade havia sido declarada inconstitucional pelo próprio STF em 2017 e derrubada pelo Congresso Nacional. De fato, a reforma trabalhista de Michel Temer, em 2017, também mudou a CLT para tornar o imposto sindical facultativo.

A maioria formada no STF pela obrigatoriedade do “novo” imposto sindical apenas confirma, mais uma vez, o caráter ativista da mais alta Corte do país, que já se acostumou – e parece ter gostado – do protagonismo político que concedeu a si mesma nos últimos anos. O STF nada mais faz do que repetir o mesmo erro tantas vezes praticados por governantes ao longo da história, que buscaram ampliar indevidamente, sem limites, o seu poder, para ter um papel cada vez mais determinante nos rumos de uma nação, subvertendo o princípio democrático majoritário que faz repousar o protagonismo no povo por meio do Parlamento.

Desta vez, o STF atropelou de uma só vez os deputados e senadores do Congresso, os trabalhadores brasileiros e sua própria decisão de 2017. Todos eles deixaram claro que não queriam mais saber do imposto sindical: primeiro pela alteração na lei em 2017, que tornou o imposto facultativo, e segundo pela própria redução drástica nas contribuições feitas por trabalhadores aos sindicatos ano a após ano, a qual é prova mais do que suficiente da insatisfação dos trabalhadores com o modelo fracassado.

Com efeito, em 2017, quando o imposto sindical ainda era obrigatório, os trabalhadores brasileiros repassaram mais de R$ 3,6 bilhões aos sindicatos. Quando o pagamento se tornou facultativo, em 2018, o repasse foi de apenas R$ 411,8 milhões. Em 2019, foi de 128,4 milhões. Em 2020, R$ 76,8 milhões. Em 2021, 65,6 milhões. Em 2022, apenas R$ 53,6 milhões foram repassados no primeiro semestre daquele ano. No total, foi uma queda de 97,5% na mamata dos sindicatos, que hoje têm que ralar pra sobreviver – como fazem, aliás, todos os trabalhadores brasileiros.

As razões para a queda brutal na receita são simples: os sindicatos não mostram serviço e são aparelhados ideologicamente. Existe, é claro, um problema de ação coletiva, mas a queda na arrecadação é a maior prova da ineficiência e da falta de resultados concretos em prol dos trabalhadores. Em um sistema de livre mercado, números como esses levariam à extinção desse modelo e à sua substituição por um novo, mais eficiente, que de fato atendesse as demandas dos trabalhadores e os fizessem contribuir livremente com os sindicatos.

Quando a contribuição se torna voluntária, isso dá aos sindicatos os incentivos corretos para se esforçarem pelos trabalhadores e conseguirem resultados efetivos, como aumentos de salários e melhores condições de trabalho. Mas se a contribuição é obrigatória e independe da vontade do trabalhador, então não há incentivo algum para que os sindicatos se mexam em prol dos trabalhadores, porque no fim do mês o dinheiro vai cair na conta, faça chuva ou faça sol. Não há cenário melhor do que esse para os grandes sindicalistas.

Com tanto tempo e dinheiro livre, os sindicatos podem financiar manifestações políticas de esquerda e de extrema-esquerda, com o objetivo de favorecer governos e políticos amigos. A situação fica ainda pior porque, no Brasil, os sindicatos têm o monopólio da representação dos trabalhadores, com a lei prevendo que só pode existir um sindicato para cada categoria profissional no município, no estado e nacionalmente, conforme o princípio da unicidade sindical, previsto no artigo 8.º, II, da Constituição.

Ou seja, não há concorrência entre sindicatos, como ocorre no livro mercado, em que empresas do mesmo segmento concorrem entre si pelo dinheiro e preferência do consumidor. Nesse cenário, os trabalhadores são duplamente penalizados em seu direito à liberdade e à autodeterminação: primeiro, eles não podem escolher dentre vários sindicatos aquele que acreditam que vai representá-los melhor; segundo, sequer vão poder escolher agora se contribuem ou não para os sindicatos.

Esse, pelo menos, é o efeito prático real da decisão do STF. Afinal, a contribuição sindical acontecerá a não ser que o trabalhador se oponha (opt-out), porém até mesmo essa oposição pode ser dificultada pelos sindicatos por meio de exigências rigorosas, como o comparecimento pessoal ou a apresentação de documentos com firma reconhecida pelo trabalhador. Na prática, os cofres sindicais voltarão a ficar cheios.

O Supremo mais uma vez legisla e atua fora de sua função constitucional, confirmando a pecha de ativista. A leitura atenta dos votos dos ministros revela que a preocupação real deles é com o fato de que a reforma trabalhista esvaziou os cofres dos sindicatos ao acabar com sua principal fonte de financiamento, já que ninguém mais quer contribuir. Qual a questão constitucional de fundo que está sendo discutida? Nenhuma, porque não é disso que se trata.

Trata-se apenas de (mais) uma decisão voluntarista que busca atingir um resultado diferente daquele dado pelo Congresso, que é o Poder com a atribuição constitucional de legislar. Como o governo Lula e a esquerda não conseguem alcançar seus objetivos pela via popular, isto é, pelo Congresso, eles judicializam todas as questões da vida em sociedade em que são derrotados (e são muitas) pois sabem (por algum estranho motivo) que terão um julgamento favorável em um Poder Judiciário ativista.

Esse é um atropelo absoluto de todas as normas que regem qualquer democracia saudável do mundo. Pior do que isso, é um atropelo conduzido por 11 juristas não eleitos, colocados no maior tribunal do Brasil por políticos, e que com uma simples canetada têm poder para derrubar o que foi decidido numa reforma trabalhista cujos termos foram discutidos e devidamente aprovados pelo Congresso, sancionada pelo presidente da República e que representa a vontade do povo brasileiro.

Esse caso se soma a vários outros para confirmar que o Supremo é sim um tribunal ativista, que tem legislado no lugar do Congresso, numa espécie de aumento de suas atribuições ou, pior ainda, num asfixiamento das atribuições do Congresso, que se vê cada vez mais apequenado, sem nada fazer e sem reagir. A única conclusão a que eu consigo chegar é que hoje o governo Lula não governa principalmente por meio do Congresso, e sim por meio do Judiciário, e isso deveria causar extrema preocupação em todos nós.

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