No fogo, o milho verde ferve e levanta um cheirinho gostoso de infância… Ah, como era bom colher o milho com a vó, vê-la cozer e depois desfrutar dessa maravilha que era a companhia dela, da chuva e do saboroso milho. O cheirinho se espalhava e posso senti-lo de novo! Memórias também se espalham em meu ínterim… Revivo a menina, com a avó, sentada à mesa na cadeira a olhar pela porta e janela – de aberturas verdes daquela casa branca! A chuva fina molhava o jardim e o cheiro de terra molhada se incorporava ao cheiro do milho e do amor.
Estamos iniciando o inverno por aqui no Hemisfério Sul. É tempo de introspecção e reflexão. Uma ocasião na qual os seres vivos, em geral, se aquietam mais, e voltam-se para dentro de si – talvez por isso escrevo este texto. Os animais se refugiam em suas tocas, as plantas e árvores perdem suas folhagens e cores…
Bom, há, aproximadamente, dois anos tenho sentido a realidade da perda de pessoas especiais… Em algum dias, meu tio partiu daqui. Fico imaginando que coisa insana é a vida; não somos “nada” e, ao mesmo tempo, somos “tudo”! Da vida nada se leva! Meu tio, homem bom e trabalhador, passou seus últimos momentos num hospital, padecendo. Ele se foi, e além da saudade, me deixou um vazio de querer conviver mais… com ele, com a família e os amigos. Por que será que a vida nos afasta de quem amamos (e, às vezes, não damos o devido valor para o que realmente importa!)?
Impossível não me lembrar de um provérbio: “não deixe para amanhã o que você pode fazer hoje”! Por esse motivo, e por mais leveza, tenho falado esse ditado popular com frequência para mim mesma, além de ter iniciado sessões de desapego – de “pertences” (vocábulo curioso nesse sentido); coisas e situações.
Ponho-me em frente ao roupeiro, e, aos poucos, vou me desapegando… Reflito sobre situações e vivências, avalio as experiências e vou me desapegando… Sempre fui bem apegada (desde criança) e tenho sentido o acúmulo ao meu redor… isso está me incomodando e aproveito o período outono-invernal para deixar ir o que já não me serve, a fim de cultivar boas sementes para a primavera.
E eu venho desapegando cada vez mais… doando roupas, calçados, brinquedos, livros, ocupações (assunto para outro dia)! Ou então valendo-me do brechó que tem sido uma solução muito iluminada e sustentável. A Mãe Terra, certamente, agradece.
Assim, abrir espaços é preciso, então empresto, troco, doo… A energia se renova e circula, e eu me sinto mais livre para me encontrar e deixar que algo novo me encontre.
Outro ditado popular me acha: “menos é mais”! Menos coisas, menos situações indesejáveis, menos materialismo, menos correria, menos egoísmo, menos individualismo, menos futilidade, menos touch… Para, assim, sobrar mais espaço ao toque, à palavra de afeto, à poesia, à música, à companhia de um amigo sincero, à companhia de amores especiais… Mais viagens, mais lembranças, mais imaginação, mais ânimo e simplicidade!
A casa da minha avó já não mais existe, nem o milharal, nem minha vó, fisicamente… mas o sabor, o cheiro e o amor permanecem vivos em minha memória, presenteando-me, agora, com um sorriso sincero, puro e solto… E talvez presenteando você também, querido leitor.
Desapego-me, aos poucos, dessa lembrança gostosa para construir outras… pois a vida é assim mesmo, temos de nos acostumar a novas estações, novos sabores, novos cheiros, novos olhares, novos sorrisos, novos amigos e novas vivências… Eis que chega a roda-viva, como já cantou o poeta.