Embora as eleições de outubro ainda não tenham o cenário de candidatos definido, especialmente para a Presidência da República, já é possível desenhar o perfil do eleitorado, pelo menos em Santa Catarina, onde houve recadastramento do título de eleitor a partir das últimas eleições, em função do sistema biométrico.

O Tribunal Regional Eleitoral (TRE) atualizou os dados públicos sobre o cadastro dos eleitores, após pedido de informação do OCP News, em 18 de maio deste ano. Para efeitos de comparação, a reportagem considerou os dados do mesmo mês de 2014, quando ocorreu a última eleição para Presidente da República, governadores, senadores e deputados federais e estaduais.

Os elementos elencados são: faixa etária, grau de escolarização e gênero. Para analisar os números, a reportagem ouviu a professora universitária Elizete Lanzoni Alves, que é membro do Tribunal de Justiça de Santa Catarina e trabalha questões ligadas à mulher na política; o professor de Administração Pública da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc), Daniel Pinheiro; e o professor de história da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Waldir José Rampinelli.

Confira os destaques de cada uma das categorias na Capital e no Interior do Estado:

Faixa etária

Enquanto no Interior de Santa Catarina o eleitorado de idosos (acima de 60 anos) foi o que registrou maior variação desde a última eleição presidencial, com aumento de 13% (de 791,7 mil em 2014 para 896,4 mil em 2018), em Florianópolis, os adolescentes são os protagonistas. Mesmo não tendo a obrigação de votar, o número de adolescentes de 16 e 17 anos com título de eleitor cadastrado na Capital aumentou 52,9% (de 1,7 mil em 2014 para 2,6 mil em 2018).

Um dos adolescentes que faz parte da estatística é o Arthur Kuster Serafini, que tem 17 anos e mora no bairro Saco Grande, em Florianópolis. Mesmo consciente da sua condição privilegiada por estudar em escola privada, Serafini que é ativo em movimentos sociais e conectado com a garotada de sua idade, acredita que a juventude está assumindo papel importante na política.

Mesmo que o envolvimento não seja diretamente ligado à partido político, o adolescente percebe seus colegas engajados em causas sociais e lutando pela defesa das minorias. Serafini não só acredita no poder do jovem enquanto eleitor, como também pretende seguir carreira política.

“Quero seguir por esse caminho porque gosto de lidar com pessoas, de me engajar e expor minhas ideias, debatendo com gente que pensa diferente. Acredito no Brasil, na força do jovem e na democracia. Amo meu País e é por ele que quero lutar e trilhar a minha vida”, disse o adolescente.

A faixa etária dos jovens entre 18 e 24 anos foi a segunda que mais cresceu na Capital no mesmo período com variação de 7,8% (de 40,2 mil para 43,4 mil). Dentro desse perfil de eleitores está a estudante Greyce Franzmann, que tem 21 anos, faz faculdade de Gestão Pública e é coordenadora estadual do Movimento Acredito.

Feminista militante, a jovem defende que o voto consciente é uma ferramenta capaz de promover mudança. Por isso, a estudante sugere aos eleitores que eles pesquisem a fundo a vida e as propostas dos seus candidatos. Greyce não só pretende votar em outubro, como estimular os jovens de sua idade a buscar informação e abraçar causas relevantes na sociedade.

“Estamos levando as nossas pautas para discutir e conscientizar a galera. Não podemos deixar (o poder do voto) apenas para as pessoas que estão votando sempre nos mesmos e com conservadorismo. Se a juventude não se engajar, não vai conseguir abertura para coisas novas”, apontou Greyce.

Na avaliação do professor da Udesc, Daniel Pinheiro, a disseminação da discussão política nas redes sociais estimulou o interesse de adolescentes e jovens pelas eleições. O cenário nacional desencadeado após o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff também pode ter sido um gatilho para que os jovens tenham mais vontade em participar.

“O jovem está cansado de ser criticado porque só fica na rede social e não faz nada. É uma faixa etária que está sendo provocada pelas mudanças do cenário. Além disso, na Capital, as escolas têm feito intervenções de cidadania e os movimentos que trabalham com educação política estão mais presentes”, considerou Pinheiro.

Já o professor de história da UFSC, Waldir José Rampinelli, tem uma visão mais pessimista sobre as eleições de outubro. Embora concorde que o adolescente esteja sendo provocado a fazer parte da sociedade, ele acredita que há uma descrença da população no poder do voto.

“Nas eleições você vai ver o número de votos nulos, vai ser como a Copa agora. Não se muda um país pelo voto. Por que só 50% da população vota nos EUA e mais de 90% em Cuba (ambos com voto livre)? Por causa do (efeito) do sistema. Aqui, temos uma democracia onde o povo não se sente no poder”, avaliou Rampinelli.

A professora Elizete Lanzoni Alves argumenta que a democracia ainda é jovem no Brasil, uma vez que o País passou por um período duro entre a década de 1930 e a promulgação da Constituição em 1988 (o que engloba a ditadura militar). Para ela, o exercício de cidadania ainda sofrerá evolução.

“Estamos num momento de transição entre a democracia meramente representativa para uma democracia participativa. Por vezes, o cidadão não sabe participar, vai simplesmente pela crítica, não avalia a situação de uma forma histórica ou sociológica, mas ele quer participar”, completou.    

 

Grau de instrução

Levando em consideração o cadastramento do TRE-SC, houve aumento da escolarização dos eleitores tanto da Capital quanto do Interior do Estado. Enquanto os níveis de analfabetos a segundo grau incompleto tiveram queda, as camadas de segundo grau completo a superior completo registraram crescimento.

A categoria que mais se destacou foi a de nível superior completo com aumento de 103,3% em Florianópolis (de 55,2 mil para 112,3 mil) e 149,4% em SC (de 257,8 mil para 634 mil).

Os três especialistas ouvidos pela reportagem concordam que o nível de escolarização dos eleitores corresponde a um ajuste natural das categorias. Além disso, pode haver reflexo da atualização dos dados em função da mudança para o sistema biométrico.

Para explicar o crescimento de eleitores com nível superior, a professora Elizete destaca a expansão dos cursos de ensino a distância nos últimos dez anos. Além de oferecer mensalidades mais baratas, esse tipo de graduação facilitou o acesso à graduação.

“O fato de ter oportunidade de fazer curso de ensino superior não significa mexer com a educação informal que é aquela familiar, moral e ética. Mas eu, como professora universitária, acredito que melhora bastante (o nível de compreensão)”, disse a professora.

O professor Rampinelli, no entanto, salienta que a formação desde a pré-escola até o ensino superior deveria ir além do estudo técnico e ampliar o poder de análise, reflexão e crítica do indivíduo.

“Isso não quer dizer que aumenta a consciência política. Às vezes, alguém que faz curso superior sai mais alienado do que um integrante do MST, que está no movimento de luta pela terra e moradia e se politiza mais. O estudo é importante, mas tem que ser conectado com a realidade.”, destaca Rampinelli.

Já o professor Daniel Pinheiro faz um adendo para o número elevado de eleitores que ainda tem baixa escolaridade (até segundo grau incompleto) que, somados, ultrapassam 2,8 milhões de pessoas.

“SC ainda tem 50% dos eleitores nessa faixa, que você precisa educar criticamente para se comunicar. Para o candidato significa um número de eleitores que ele tem que explicar a sua pauta eleitoral de uma maneira mais fácil. Se ele tratar de forma complexa terá menos entrada nesse eleitorado”, destacou Pinheiro.

Participação da mulher

No quesito gênero, ambos os sexos registraram crescimento no público eleitor. Entretanto, as mulheres despontam na frente com 5% de aumento na Capital (de 174,8 mil para 183,6 mil) e 5,8% no Estado (de 2,4 milhões para 2,6 milhões).

Entre os eleitores de sexo masculino o aumento foi de 3,2% em Florianópolis (de 154,8 mil para 159,8 mil) e de 4,7% em SC (de 2,3 milhões para 2,4 milhões). Os dados do TRE ainda não contabilizam separadamente os transgêneros.

Embora a diferença entre homens e mulheres tenha bastante relação com o crescimento populacional, os especialistas acreditam que o protagonismo das mulheres nos movimentos sociais tem impulsionado a participação delas no eleitorado e na política.

“Os dados acompanham a proporcionalidade do aumento populacional. Se eu fosse orientar um candidato eu diria, fale com as mulheres. Elas são maioria e, num cenário nacional, vêm discutindo há muito tempo o seu papel na política, agora está ainda mais forte”, destacou Pinheiro.

A professora Elizete que integra movimentos que incentivam a participação da mulher na política, espera que esse número também reflita no interesse em ocupar cargos parlamentares, uma vez que em Santa Catarina, por exemplo, apenas quatro mulheres compõem o quadro da Assembleia Legislativa.

“Nós temos a luta individual, do corpo a corpo, e a luta institucional, pois ainda temos disparidades de cargos e salários. Alguns movimentos femininos estão lutando para estimular as mulheres a participarem (como candidatas), mas não como laranjas (dos partidos) e sim por vocação política. A mulher tem que votar em mulher sim, não por causa do gênero, mas por acreditar que temos a mesma capacidade que os homens”, defendeu a professora.

 

 

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