Professor Paulo Moretti: o grande mestre

Foto: Fabio Junkes

Por: Áurea Arendartchuk

14/05/2022 - 06:05 - Atualizada em: 14/05/2022 - 14:20

Durante nossa existência algumas pessoas que conviveram conosco ficam gravadas para sempre em nossa lembrança. Além de parentes e amigos, um profissional em especial, ganha um lugar cativo na nossa memória afetiva e de aprendizado: o professor.

Em Jaraguá do Sul, um educador que marcou a história de muitos alunos entre as décadas de 1950 a 1990 foi o professor Paulo Moretti. Com 90 anos e gozando de uma saúde invejável, o professor Paulo concedeu uma entrevista exclusiva ao OCP nesta semana em que o jornal mais longevo de Santa Catarina completou 103 anos.

E além de ser um leitor assíduo do jornal, tanto na plataforma online quanto impressa, o professor tem uma ligação que vai além da leitura.

Moretti foi professor do presidente da Rede OCP de Comunicação Walter Janssen Neto na década de 1960 e também foi articulista do jornal de 1970 a 1990 sendo autor de dezenas de artigos sobre variados temas.

Walter Janssen Neto, presidente da Rede OCP, com o professor Paulo Moretti | Foto: Fabio Junkes

Confira a entrevista concedida pelo professor Paulo Moretti durante visita a sede da Rede OCP de Comunicação:

Como o senhor iniciou na carreira de professor em Jaraguá do Sul?

Eu comecei a lecionar em 1953 como professor do curso primário. Minha carreira e minha bagagem foram fruto de um investimento pessoal em cursos de extensão e de especialização, como professor de Língua Portuguesa e, por igual, como administrador escolar. Tais cursos foram feitos nas férias escolares e realizados presencialmente em seis capitais brasileiras: Porto Alegre, Florianópolis, Curitiba, São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte.

Então foram seis anos de cursos nestas seis capitais. Eu me aprofundei mais na Língua Portuguesa que era o meu ideal. Mas por força da circunstância eu também lecionei o francês e o latim.
Recordo, com saudades, o quanto investi na carreira da educação, toda ela junto aos Irmãos Maristas, meus formadores, com os quais estudei e me formei e para os quais trabalhei por 50 anos, como professor e administrador escolar. Foram 50 anos em que iniciei minhas atividades como simples professor do antigo curso primário em Jaraguá do Sul e concluí como superintendente da PUC, em Curitiba.

Além de professor, o senhor também trabalhou na área administrativa escolar. Nos fale a respeito.

Sempre lecionei no Colégio São Luís e também durante um bom tempo ensinava português e francês no Colégio Divina Providência. Depois na faculdade de Jaraguá, a antiga Ferj, também lecionei português. Antes disso, estudava no internato marista, mas chegou uma época que eu decidi que não ia seguir no internato.

Saí e tive de cumprir o serviço militar. Como lá eu tinha uma cultura superior dos demais recrutas, em apenas dez meses eu fiz o curso de cabo, sargento e cheguei abaixo do tenente. Na época me falaram que eu até poderia ser um candidato à general na carreira militar, mas não era meu interesse. Saí do exército e meu primeiro trabalho foi preparar uma turma para o curso de admissão do ensino ginasial na época que fazia provas para receber os alunos.

Também tive ainda uma passagem breve pelo Colégio Abdon Batista para também preparar uma turma para o antigo curso de admissão. E foi lá inclusive que eu conheci minha esposa e meu cunhado. Os dois também lecionavam no Abdon Batista.

No Colégio São Luís de Jaraguá do Sul lecionei por cerca de 20 anos e depois passei a trabalhar na área administrativa da educação. Na década de 1990 fui trabalhar em Curitiba. Entre lecionar e atuar na área administrativa da educação eu trabalhei 50 anos até 2002. Aí me aposentei. Eles queriam que eu continuasse, mas eu respondi brincando: “50 anos com o mesmo patrão, chega” e me aposentei como superintendente da PUC/Paraná.

Na sua opinião, a educação no Brasil já teve mais qualidade do que hoje?

Eu faço um paralelo com o professor de antigamente. Eu noto que o professor de hoje não é tão habilitado como era o de antigamente. Antes o professor era um estudioso. Hoje o professor não é um estudioso, ele se forma e procura sobreviver com o salário que ganha e com aquilo que a faculdade lhe proporcionou.

Muitas vezes ele vai para a sala de aula sem aquele compromisso missionário, vai para despejar conteúdo e fim de papo. Outra diferença que eu noto hoje é o aluno. Ele é formatado para a tecnologia, e portanto, lê poucos livros e acaba ficando muito focado só na internet. No tempo que eu lecionava, exigia que os alunos lessem um livro por mês. Hoje você pede para um estudante ler um livro por mês e ele não lê. Praticamente se abandonou o livro para ficar só na tecnologia. Acho que se deveria voltar a fazer com que os estudantes lessem mais.

Como professor de Língua Portuguesa, o que o senhor nota sobre a comunicação via redes sociais em que se abrevia muitas palavras e se cometem muitos erros na escrita?

Hoje em dia os próprios professores de português cometem erros de ortografia porque se vinculam a uma imagem em que algumas palavras foram sendo abreviadas pela internet. Um exemplo é a palavra beleza que a maioria escreve ‘ blz ’. A internet é uma grande ferramenta, mas se não souber usar, ela deseduca e chega a ser deprimente.

O senhor escreveu para jornais também, um desses foi o O Correio do Povo. Que lembranças tem desta época?

Teve uma época que cheguei a ter duas colunas no Jornal O Correio do Povo, uma eu escrevia pelo Lions e se chamava Leão de Gravata e a outra escrevia como professor. Escrevi para o jornal entre os anos 1970 e 1990. Depois de um tempo eu assumi um compromisso com o Schmöckel [ Eugênio Schmöckel antigo dono do jornal] de escrever uma coluna semanal para o OCP dos mais variados assuntos. Depois que fui para Curitiba, escrevi para vários jornais do Paraná, dentre estes A Gazeta do Povo. Encadernei todas as colunas que fiz e que somam 13 volumes de textos. Tenho algumas boas lembranças da época de colunista. Uma delas foi de um artigo que escrevi com o título “O vendedor de picolé” que teve muita repercussão na época.

O OCP fez 103 anos esta semana, o que o senhor nota que mudou entre o tempo que foi colunista para o de hoje?

Primeiro quero frisar sobre a evolução que houve da redação de antigamente para a atual, que foi do linotipo para o digital. Em segundo lugar é que hoje a tecnologia pode ser usada para digitalizar documentos antigos, neste caso o jornal também. Hoje posso ter acesso às colunas que escrevi no passado. Essa tecnologia deve ser comemorada como um milagre, porque o que se produzia antigamente, às vezes permanecia esquecido e agora pode ser digitalizado para que mais pessoas possam ter acesso. A digitalização do acervo das edições do OCP noto como um legado de grande riqueza cultural que o jornal deixa para as atuais e futuras gerações.

Que mensagem o senhor deixa como professor reconhecido na história jaraguaense?

Efetivamente ser professor requer um cabedal de conhecimentos e de cultura que só a vida, a vocação e a profissão oferecem a quem ao magistério se dedica. Avalio e concluo que tudo valeu a pena, principalmente pelo reconhecimento público à minha trajetória. Sou grato aos Irmãos Maristas e à sociedade jaraguaense. Com ambos construí uma carreira que, até os dias atuais, me enche de orgulho por ser conhecido e reconhecido como Professor Paulo.

Professor Paulo Moretti posa para foto ao lado de uma das colunas que escreveu em 1979 e digitalizada pelo OCP | Foto: Divulgação

 

Walter Janssen e o Professor Paulo Moretti no estúdio do OCPlay | Foto: Fabio Junkes