Morro Boa Vista, em Jaraguá, carrega história da cultura negra

Por: OCP News Jaraguá do Sul

19/11/2016 - 04:11 - Atualizada em: 22/11/2016 - 07:47

Em meio à natureza vigorosa numa casa de tijolos e madeira já atingida pelo tempo, o aposentado Norberto Rosa, 80 anos, contempla a paisagem do seu estreito quintal. A residência simples, de cores neutras e pouca iluminação está situada aos fundos de um terreno à esquerda da Rua Domingos Rosa, no Morro Boa Vista. Nesses poucos metros quadrados, concentram-se capítulos da história de Jaraguá do Sul preservados na memória de um descendente dos colonizadores.

A via leva o nome do pai de Norberto. Domingos foi filho de João Estevão de Oliveira Rosa, que chegou ao Brasil em 1880 após uma viagem de navio com saída do Porto de Aruanda, na Angola, para São Francisco do Sul. O avô João e mais quatro irmãos, como lembra Norberto, vieram para a região junto com o fundador do município Emílio Carlos Jourdan. Até Jaraguá, foram 15 dias navegando pelas águas do Rio Itapocu.

Dos 54 negros que embarcaram, somente 19 chegaram à cidade. Os outros 35 se dividiram entre São Francisco e Parati – hoje cidade de Araquari. Segundo relatos colhidos pelo historiador Ademir Pfiffer, João foi um dos primeiros a acompanhar as medições feitas por Jourdan, antes mesmo da fundação do município.

Domingos da Rosa foi o primogênito do trabalhador e deixou 36 descendentes. Somente dois filhos estão vivos, Norberto morando em Jaraguá do Sul e uma irmã em Joinville.

Daquela época, Norberto recorda das histórias contadas pelos familiares. “Os negros que estavam na cidade se instalaram no Boa Vista, que era chamado pejorativamente como Morro da África. Eu nasci aqui, fui para o bairro Vila Lenzi, depois para o Paraná e há 40 anos me mudei novamente para cá”, comenta.

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De acordo com Pfiffer, o morro, naquele período, abrigava a classe mais vulnerável, sem assistência de políticas públicas para ocupação do solo e infraestrutura. Para ele, o território representa um empoderamento cultural da comunidade afro-brasileira, mas perdeu no último século seus referenciais de memória e história quando parte da população nativa foi morar no bairro Vila Lenzi. “A economia se reconfigurou de rural para industrial, assim, os negros assumiram cargos na sociedade operária e fabril”, destaca Pfiffer.

Norberto explica que a mudança para o bairro ocorreu pela proximidade com o Centro, oferta de terrenos baratos e falta de recursos para viver no Boa Vista. “A situação melhorou bastante hoje, mas ainda sentimos certo desprezo com a área, mesmo sendo caminho para importantes pontos turísticos da cidade”, observa.

O aposentado foi peça importante para o desenvolvimento do morro. Assumiu a presidência da associação de moradores do bairro, lutou pela instalação de um posto de saúde e passagem da linha de transporte coletivo. Também dedicou parte de seu tempo dando aulas de futebol para crianças da localidade. “Tenho orgulho de ser negro, nasci e cresci aqui sob os costumes afrodescentes e levo isso em frente”, afirma Norberto.

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Resgate cultural

Além dos Rosas, famílias afro-brasileiras como os Rita, Ventura, Oliveira, Link e Gerent moraram ou moram no Morro Boa Vista. “Com o passar dos anos, os lotes foram sendo apropriados pela crescente migração, o que mudou os hábitos e costumes da comunidade”, aponta Pfiffer.

Em 2014, uma comissão de resgate cultural foi formada por iniciativa do vereador Pedro Garcia em parceria com membros de escolas de samba, associações como Moconevi (Movimento de Consciência Negra do Vale do Itapocu), Comunidade Negra de Jaraguá do Sul (Coneja), Conselho Municipal de Promoção da Igualdade Racial e Fundação Cultural. Nessa primeira etapa, conforme presidente do Moconevi, Francisco Alves, é realizado o trabalho de pesquisas, com levantamento de depoimentos. “No ano que vem vamos buscar parcerias para bancar a impressão do livro com toda a história dos negros em Jaraguá”, conta Alves.

Além da publicação, a comissão planeja construir um memorial no Centro da cidade e um mirante no Morro Boa Vista. Ele destaca que hoje os negros representam 13% da população jaraguaense, estimada em mais 167 mil pessoas. “Os trabalhadores negros ajudaram na construção do município, tanto na lavoura quanto na indústria”, aponta.

Aproveitando o Dia da Consciência Negra, neste dia 20 de novembro, o presidente também chama a atenção para o preconceito que ainda existe contra os negros. “É de uma forma velada, enquanto estamos quietos está tudo bem. Agora, quando nos tornamos concorrentes no mercado de trabalho ou nas instituições de ensino, essa desigualdade aparece. Precisamos salientar que com competência podemos assumir qualquer função profissional, assim como o restante das pessoas”, frisa.

Roda de Samba em comemoração ao Dia da Consciência Negra

Quando: Hoje (19), a partir das 17 horas

Onde: Extra Bar, Rua Presidente Epitácio Pessoa

Quanto: R$ 10