Famílias abrem coração para mudar realidade de crianças e adolescentes

Por: Elissandro Sutil

20/10/2017 - 08:10 - Atualizada em: 22/10/2017 - 13:16

Durante a vida, pequenas atitudes podem ser determinantes para transformar o destino de pessoas próximas ou até mesmo de desconhecidos. Para a advogada Aline Lang Alves, 29 anos, este momento divisor de águas ocorreu no ano passado, enquanto aguardava por um atendimento no Fórum de Jaraguá do Sul. Entre vários papéis dispersos próximos à impressora, um panfleto sobre o programa Famílias Acolhedoras chamou sua atenção. Não demorou muito para Aline compartilhar seu mais novo objetivo com o marido, Klaus Moroni Alves, 33 anos. “Sempre cultivamos essa vontade de ajudar as pessoas, mas até que ponto realmente fazemos a diferença na comunidade?”, indagou a advogada.

O casal entrou em contato com o Abrigo Institucional Tifa Martins e se cadastrou no serviço. Cerca de três meses, a rotina dos advogados ganhou uma nova motivação. Com três e quatro anos, Luísa* e Marcos foram acolhidos pelos dois enquanto aguardam o processo judicial que definirá se os irmãos retornarão para a família de origem ou serão encaminhados à adoção. O acolhimento já dura dez meses.

“Você acredita que vai mudar a vida deles, mas eles que mudam a nossa”, afirma Alves. A advogada recorda que as primeiras semanas foram de adaptação e ressignificação do que é ser uma família para os pequenos. “O Marcos praticamente não conversava, estava com o desenvolvimento da fala bem atrasado. A Luísa tinha receio em relação à figura masculina. Nestes meses, ambos apresentaram uma mudança impressionante, conversam, brincam, interagem, são amorosos, consideramos como nossos filhos mesmo”, conta Aline.

Os acolhedores não recebem muitas informações sobre as causas que levaram a Justiça a instaurar medida de proteção e retirar as crianças dos pais biológicos, podendo ser por negligência, violência ou abandono. “Acreditamos que esse atraso no desenvolvimento seja ocasionado pela falta de estímulo da família ou bloqueio emocional. Para mudar essa situação, proporcionamos atendimento profissional a eles. O Marcos, por exemplo, vai ao fonoaudiólogo, faz música e capoeira”, relata Aline. As crianças também foram inseridas em todo o círculo familiar do casal e, segundo Alves, elas adoram esse convívio e recuperaram a autoestima.

E depois?

“E se você se apegar?” e “O que acontece depois?” são perguntas frequentes respondidas pelo casal cadastrado no Serviço de Acolhimento em Família Acolhedora. Para responder, Aline e Klaus são enfáticos ao declarar que o apego e amor são naturais e surgem nas primeiras horas de relação familiar.

“As pessoas não estão dispostas a dar amor sem receber nada em troca. O conhecimento que eles adquiriram conosco será eterno e com certeza os tornará adultos melhores, com perspectivas de vida. Nós faríamos tudo de novo, quantas vezes fosse preciso”, garante Aline.

O casal não sabe quanto tempo ficará com os irmãos, pois o processo judicial ainda está em andamento. No entanto, eles observam que se as crianças forem encaminhadas para adoção, o serviço de acolhimento irá ajudar na adaptação deles com os novos responsáveis. “Nosso único desejo é que a família adotiva nos permita visitá-los”, completa Alves.

Os advogados ainda não possuem filhos biológicos, mas garantem que pretendem ter “a casa cheia” e não dispensam a possibilidade de acolher novas crianças ou se cadastrarem no programa de adoção futuramente.

 

“As pessoas não estão dispostas a dar amor sem receber nada em troca. O conhecimento que eles adquiriram conosco será eterno e com certeza os tornará adultos melhores, com perspectivas de vida. Nós faríamos tudo de novo, quantas vezes fosse preciso.”

Aline Alves, inscrita no Famílias Acolhedoras

Abrigo do Tifa Martins passará a funcionar no Centro a partir deste domingo (22) | Foto Eduardo Montecino/OCP

Secretaria quer aumentar número de famílias acolhedoras

Atualmente, Família Acolhedora conta com dez famílias cadastradas. Destas, seis estão recebendo crianças ou adolescentes em suas casas, totalizando nove crianças acolhidas. O objetivo da Secretaria de Assistência Social e Habitação é chegar ao número de 15 famílias incluídas no serviço até o final de novembro. Mais de 20 abrigados aguardam para participarem do programa.

De acordo com a secretária Maria Santin Camello, o serviço de acolhimento tem como meta proporcionar o atendimento individualizado às crianças e adolescentes. “Com este trabalho, eles não precisam ficar nos abrigos institucionais e podem ter um convívio familiar e comunitário saudável, que promova seu desenvolvimento”, aponta.

O período de permanência dos adolescentes com a família costuma ser mais longo do que o das crianças, segundo a psicóloga do serviço, Nathália Gonçalves. Ela destaca que nesta faixa etária as expectativas de adoção são menores. “Até os onze anos é mais fácil. Por outro lado, temos muitos adolescentes que saíram do programa apenas quando completaram a maioridade”, relata a psicóloga.

Entre os que aguardam decisão judicial ou adoção definitiva nos abrigos institucionais do Baependi e Tifa Martins, os sentimentos são distintos. Conforme Nathália, muitas crianças não nutrem o desejo de ir para uma nova família devido às situações que foram submetidas anteriormente. “Mas a maioria aguarda ansiosa por uma notícia positiva”, revela.

 

Como funciona o serviço

  • Estão disponíveis para o serviço as crianças e adolescentes encaminhadas para os abrigos que se encontram em medida de proteção, ou seja, que suas famílias estão impossibilitadas de exercer função de cuidado, por negligencia, violência ou abandono.
  • Para se cadastrar, a família interessada precisa residir em Jaraguá do Sul. Os responsáveis devem ter mais de 21 anos e todos os integrantes da família têm que estar de acordo com a participação no programa. Os interessados serão submetidos à avaliação. Além disso, não podem estar inscritos no programa nacional de adoção.
  • As famílias acolhedoras não terão possibilidade de adoção da criança acolhida, sendo necessário seguir a fila do cadastro nacional.
  • Os acolhidos ficam sob-responsabilidade das famílias, residindo em sua casa. O tempo de acolhimento depende do processo judicial, que determinará retorno ao convívio da família de origem ou adoção.
  • A equipe técnica acompanha as famílias durante o tempo de acolhimento e realiza visitas domiciliares. As crianças também são levadas ao abrigo a cada 15 dias para rever suas famílias de origem.

*O nome das crianças foi substituído para preservar suas identidades. Mais informações sobre o programa pelo 3274-5150.