Apática Pátria: Para a maioria da sociedade brasileira, valor apresenta-se invertido

Por: Rita Grubba

09/09/2017 - 10:09 - Atualizada em: 09/09/2017 - 14:06

Sou da época em que se comemorava o dia da Pátria. Lembro-me nitidamente do prévio ritual preparativo e do exclusivo ‘kit pátria’ de uso anual, que mamãe zelosamente mantinha no guarda-roupa, protegido com bagas de naftalina. O oval estojo armazenava uma camisa branca anilada e engomada que acompanhava uma gravatinha borboleta de cor preta; uma calça curta, azul marinho, passada com ferro a brasa, com impecáveis frisos, que acompanhava um suspensório. O cívico figurino se completava com meias brancas na altura da canela e a suntuosa conga azul de solado branco. Esta, por sua vez, acompanhava o fiel ritmo da marcha marcial sob o olhar castrador da professora. Papai encarregava-se do corte do cabelo. Meu irmão Arno tinha cabeça redonda, a minha, porém, mais parecia um catuto. Eu odiava aquele momento. Nunca esqueci o toco de lenha no terreiro e aquela velha máquina manual de Auschwitz mal regulada. Ficava imaginando o olhar burlesco da menina, colírio dos meus olhos, no day after. Passei a detestar o dia da Pátria por dois motivos: i) o modelo do corte era sempre ‘zero’; ii) o cabelo era praticamente arrancado de meu catuto com aquela máquina medonha. Mamãe caprichava com a minha aparência, papai esculhambava com a imagem. Embora amasse os dois, eu via na mamãe a ‘pátria’ e no papai o ‘dia da pátria’.

Com o passar do tempo fui me dando conta dessa dicotomia. Eu amava a Pátria, mas não via sentido no dia da Pátria. Atualmente, para a maioria da sociedade brasileira, esse valor apresenta-se invertido. O sentido repousa agora no ‘dia da pátria’, por tratar-se de um feriado. A ‘Pátria’ já não faz tanto sentido. É notório que muitos brasileiros se colocam em  dúvida sobre a legitimidade e razão da comemoração. Outros tantos trocam os festejos e desfile cívico por uma marcha de protesto. Outros ainda, os mais irados e menos politizados, questionam que pátria pode-se comemorar diante de tamanha turbulência e instabilidade política, econômica e moral? Há também os céticos, com seu brado retumbante, que até proclamam o fim da Pátria amada e idolatrada. Assim como não passam batidos os que passivamente assistem a tudo, deitados eternamente em berço esplêndido. Entretanto, não falta, a despeito do momento contextual, o manifesto cívico de honra, respeito e orgulho de parte dos filhos desse solo, cuja Pátria é a mãe gentil. Estes encontram fortes motivos de comemoração, pois conseguem perceber com serenidade e sabedoria, que Pátria é perene e governo é uma instituição transitória. Não confundem Brasil com maus brasileiros.

Enfim, minha verdade é que, aquele pelotão escolar marchando trajado de ‘kit pátria’ e cabeça raspada, me proporcionou ver esse torrão natal, como um colosso pela própria natureza. Aqui os campos têm mais flores, os bosques mais vida. Dentre todas que já conheci, a minha terra sempre se mostra a mais garrida. Afora a apatia, que possamos refletir sobre nosso senso de patriotismo, e a missão que nos cabe de ajudar a construir o futuro que possa espelhar essa ‘grandeza’.