“Pais de aluguel e contatos virtuais com filhos mortos”

Foto Pixabay

Por: Raphael Rocha Lopes

03/03/2020 - 10:03 - Atualizada em: 03/03/2020 - 10:05

♫ “Para pra pensar se esse é o teu lugar/
Aquele bom em que deveria estar/
Presta atenção só no som do mar ”
(Te conecta, Pitty).

O que você faria para viver ou reviver algo que considera o melhor que já teve ou o melhor possível de se ter? Voltar a abraçar alguém que já se foi ou ter por perto alguém que nunca teve, talvez…

A tecnologia está trazendo para a realidade o que antes ficava apenas nos corações e mentes das pessoas, reservado aos mais recônditos sentimentos.

O reencontro com a filha de sete anos.

Recentemente vi um dos vídeos mais perturbadores envolvendo tecnologia. Na Coreia do Sul, um programa de televisão promoveu o reencontro entre uma mãe e sua filha de sete anos. Sua filha falecida de sete anos. O reencontro envolveu realidade virtual, isto é, a mãe, paramentada de equipamentos, via e sentia sua filha como estivesse realmente ali. Conversava com ela e chorava.

A recriação holográfica em 3D da criança, com voz e interação, era impressionantemente perfeita e é difícil de descrever. Não é preciso saber coreano para entender a emoção dos presentes. Nesse link (https://bit.ly/2VFeeuO) postei um trecho do vídeo, mas aviso que, pelas circunstâncias e pela reflexão a que nos obriga, é bastante impactante.

Lá mesmo na Coreia do Sul, já havia um serviço que permitia conversas telefônicas com entes queridos falecidos, com a voz do morto e dados obtidos na internet, para que o papo fosse natural.

Pai de mentirinha.

“Nem penso no que faria se ela descobrir” foi o comentário de um ator que há nove anos faz o papel do pai de uma garota. Esta notícia veio do Japão. Lá há uma empresa que aluga “amigos” e “familiares” para as mais diversas ocasiões.

Se a pessoa quer apresentar um namorado para a família ou não quer ir sozinho a algum evento, pode alugar seu namorado ou amigo e levá-lo para preencher a lacuna. E há situações extremas como a da mãe que, para não dizer os reais motivos do afastamento do pai, aluga um “pai” para que sua filha não sofra bullying na escola e não se sinta mal.

Carência e preocupação com os outros.

Estes dois exemplos dão uma pitada de como está caminhando a humanidade.

A carência, por qualquer motivo, possivelmente potencializada pela dificuldade de relacionamento e conversas francas, cria situações como a da mãe que quis participar do experimento de rever sua filha falecida e da mãe que alugou um pai para proteger sua filha daquilo que pensa lhe fazer mal. E tendo a tecnologia como facilitadora.

Os dois casos da vida real lembraram dois episódios da série Black Mirror: o da mulher que faz uma cópia do marido que morreu quando ela estava grávida e o da garota que fazia de tudo para receber curtidas em suas redes sociais e ser aceita pelos amigos.

Tais preocupações existem desde que o homem tomou consciência de sua humanidade. A tecnologia facilitou as (discutíveis) soluções para muitos destes dilemas, mas está longe de ser a vilã. Talvez a humanidade que esteja um pouco doente, apesar de vivermos num mundo melhor que dos nossos antepassados.

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