“Milícias digitais”

Por: Raphael Rocha Lopes

26/08/2020 - 15:08 - Atualizada em: 26/08/2020 - 15:41

“♫ Joga pedra na Geni/ Joga pedra na Geni/
Ela é feita pra apanhar/ Ela é boa de cuspir/
Ela dá pra qualquer um/ Maldita Geni”
(Geni e o Zepelim, Chico Buarque).

Milícia: segundo os dicionários atualizados, “organização de cidadãos armados que não fazem parte do exército e cujo objetivo é defender, pela força, uma coletividade, causa ou fação” ou “grupo militante de uma causa ou entidade”.

As milícias digitais, por sua vez, são aqueles grupos organizados que utilizam suas armas pela internet, seja em redes sociais, especialmente no Facebook e no Twitter, seja por aplicativos de mensagens, como o WhatsApp.

Linchamentos.

Ainda que haja alguns destoantes, em regra, por questão de humanidade e bom senso, a grande maioria das pessoas é contra o linchamento. Não se veem chutando, pisando e esmagando alguém, culpado ou não de qualquer coisa, até sua última gota de sangue ou de lágrima, seu último grito ou seu último soluço. Afinal, existem leis, dos homens e de Deus (para quem acredita numas ou noutras, ou em ambas).

Muitas destas pessoas, porém, não têm o mesmo pudor para os linchamentos virtuais, (ou cancelamentos, no nome da modinha). Esmigalham a honra e a imagem alheias sem qualquer constrangimento. Não medem as consequências e sequer atinam que respondem por estes atos da mesma forma que responderiam se estivessem fazendo no “mundo real”.

Os milicianos, as vítimas e as quase vítimas.

Os milicianos digitais podem, tranquilamente, ser comparados àqueles tradicionais vistos nos jornais extorquindo cidadãos pelo acesso ao transporte, ao gás, à segurança. É a pura falta do Estado permitindo que bandidos preencham estas lacunas.

Os milicianos digitais espraiam-se pelos vazios da falta de Estado nas estradas da internet. Não, não quero e nem acredito que seja viável o Estado regulamentar e fiscalizar absolutamente tudo o que acontece na grande rede. Simplesmente não dá.

O que se espera, porém, é que haja atuação efetiva contra aqueles que se organizam e orquestram atos de vandalismo virtual que se tornam aberrações de carne e osso. O exemplo da criança de dez anos estuprada que ganhou as manchetes mostra isso: milicianos virtuais colocaram em risco a vida da menina, da sua família, dos profissionais da saúde envolvidos.

Vítimas são todos os que sofrem com os desatinos coletivos de pessoas que se organizam para levantar hashtags ou insuflar na internet mentiras ou meia-verdades (que não deixam de ser mentiras) colocando em risco empregos, relações e vidas.

Quase vítimas são aquelas pessoas que, simplesmente por simpatizarem por determinados pontos de vista, se deixam levar, conscientemente ou não, e contribuem em espalhar as mentiras ou fake news com a já cansativa desculpa “não sei se é verdade, mas estou repassando mesmo assim”, como se isso as eximisse de qualquer responsabilidade jurídica ou moral.

Joga a pedra na Geni. É mais fácil do que parar e refletir.