“Nós temos que revisar tudo”

Por: Elissandro Sutil

03/02/2017 - 08:02 - Atualizada em: 03/02/2017 - 09:57

Há um mês no cargo, o prefeito Antídio Lunelli (PMDB) não sabe dizer o que mais o assusta: a crise econômica e a consequente queda na arrecadação ou a burocracia que dificulta todos os processos, até mesmo o levantamento de informações. A maior convicção que o empresário tem é de que é preciso modernizar a máquina pública, enfrentando de frente os entraves.

Em entrevista à coluna na manhã de  quinta-feira (2), Lunelli falou sobre as primeiras impressões, deixou entender que em breve irá propor amplas reformas e enfatizou que é preciso fazer justiça, acabar com privilégios e criar um ambiente favorável ao empreendedorismo.

2017-02-02 - Emtrevista Antidio Lunelli - Piero Ragazzi (15)

Foto: Piero Ragazzi

No gabinete ocupado até dezembro por Dieter Janssen (PP), poucas mudanças. Castiçais, flores e porta-retratos da família dão um tom pessoal ao ambiente que ele chama de precário e afirma que só não construirá uma nova sede porque a situação econômica não permite.

Visivelmente mais magro, Lunelli mantém a meta audaciosa de encerrar o mandato com 80% de aprovação, acredita que isso não é ser otimista, mas ter convicção de que está disposto a enfrentar os problemas que precisam ser resolvidos. “Eu não sou boboca, nem otimista demais, sei que é audacioso. Mas se o povo entender nosso trabalho, nossas intenções, será possível”, diz. Sobre estes e outros assuntos.

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Veja o que disse o prefeito em entrevista exclusiva:

O senhor completou um mês de governo nesta semana, qual a sua principal impressão até aqui da máquina pública? É diferente do que imaginava?
Eu sabia que não seria fácil, mas confesso para você que a situação é pior do que eu imaginava. Aquilo que a gente escuta do governo federal, estadual, também tem aqui. E eu não estou criticando nenhum prefeito, nenhuma administração. Mas nós não temos nenhuma ferramenta, tecnologia, não temos um sistema integrado de informação, não temos controle integrado de Recursos Humanos. Estamos com um sistema arcaico. A administração pública está 20 anos atrasada na comparação com a iniciativa privada. O que aconteceu no país nos últimos anos é porque parece que o que é público não tem dono, tudo é levado com a barriga. Ninguém assume a bronca. E quem paga essa conta é a população. Não existe milagre, na matemática, um mais um é dois e pronto.

O senhor tem demonstrado preocupação com o caixa. Qual a realidade financeira hoje?
Até isso é difícil saber em função da burocracia, da falta de sistema. Existem tantas contas, tantos fundos, que quando você pega a lupa você começa a perceber que é diferente. Do ano passado, em função naturalmente da crise econômica, ficou um saldo negativo de R$ 25 milhões de contas que deveriam ser pagas até dezembro de 2016. E tem mais R$ 38 milhões, que antes eram R$ 35 milhões, para o ano de 2017, para fechar as contas. Isso dá R$ 63 milhões. É o dinheiro que faltaria para encerrarmos 2017 sem fazer nada de diferente, só pagando as contas.
E que medidas o seu governo vai tomar para buscar o reequilíbrio econômico diante de uma realidade ainda difícil?
Estamos revisando todos os contratos em vigor, estamos fazendo uma auditoria no RH. Com essa questão da não integração do relógio ponto, o controle é muito manual.

A probabilidade de haver erro na folha de pagamento dos quase quatro mil servidores é muito grande. Esses penduricalhos pagos no setor público são um absurdo. O teto do funcionalismo público é de 39 mil, mas temos aqui mesmo em Santa Catarina funcionário público recebendo mais de R$ 200 mil. Nós temos que revisar tudo. Tudo acaba estourando na pessoa que trabalha, que gera riqueza e fica sufocada com o tamanho da conta. Nossa previdência aqui em Jaraguá também precisa ser revista, caso contrário vai estourar daqui a pouco. Temos aposentado ganhando mais de R$ 50 mil. E quanto ganha um aposentado da iniciativa privada? Essa diferença é justa?

O senhor dá indicativos de que deve propor reformas. O governo anterior adotou medidas consideradas duras pelo funcionalismo como o corte nas gratificações e insalubridade e reajuste parcelado. Outros projetos tiveram rejeição na Câmara antes mesmo de ser votado, como o que retirava o FGTS dos ACTs. O senhor já sabe o que vai fazer?
Tudo será olhado com lupa. Tudo que estiver fora da legalidade, ou que for imoral, nós vamos levar para Câmara. Vamos discutir tudo que tiver que ser discutido com a população. Quero ressaltar que eu não sou contra o funcionalismo, pelo contrário. Mas quero transparência, justiça, vamos fazer a coisa certa. A Prefeitura paga bem, veja os concursos que a Educação faz para professor, todo mundo quer fazer. A estabilidade é um câncer para o nosso país. A aposentadoria integral, o favorecimento. Precisamos ser justos, trabalhar dentro da realidade. Tem pessoas aqui dentro que estão vibrando com minha presença, os que trabalham, lutam, levam a Prefeitura nas costas.

O senhor tem uma meta de prazos para propor as reformas?
O mais rápido possível. Assim que eu tiver tudo na minha mão, dados econômicos, reflexos, auditoria na folha.

Uma das demandas da população é sobre o turno integral. Apesar da queda na receita, o senhor pretende voltar a abrir a Prefeitura o dia inteiro?
Eu só não retornei ainda por uma questão financeira. Porque, por incrível que pareça, os órgãos públicos são os únicos que lucram por estar fechados. Eu e o secretariado ficamos aqui dez, doze, quatorze horas por dia, mesmo assim me sinto mal com essa situação. Imagino o que o cara que trabalha oito, nove horas por dia, pensa quando passa aqui pela frente às duas da tarde e vê tudo fechado. Assim que tivermos recursos vamos voltar a adotar o turno integral.

Antes da sua posse criou-se uma polêmica em torno das ciclovias do centro do município e na época o senhor afirmou que era preciso avaliar com cautela a situação. Qual avaliação faz hoje, já definiu o que será feito?
Não. Na época, muitos comerciantes pediram para que tirasse a ciclovia da frente das lojas. Confesso que analisando pela crise fiquei sensibilizado. Se não me engano, são 52, 56 lojas fechadas no centro. Mas vamos olhar. Sei que as ciclovias são uma tendência para o futuro, queremos ampliar e integrar.

O governo anterior tinha o projeto de fazer a Ciclovia do Trabalhador, o senhor dará sequência?
Vamos tentar sim. Tudo que for bom tem que ter continuidade. E falando desse assunto, eu não tenho ciúme de macho. Tem vereadores ou outras lideranças indo no rádio falando dos fios, dos buracos. Tudo isso, desde o meu primeiro dia, desde a primeira reunião, eu já tenho cobrado dos secretários. Tenho tudo anotado, tudo organizado. Já cobrei da Celesc a questão dos fios. Já programei a operação tapa buraco e a operação limpeza. Estou indo atrás da ALL, estou cobrando deles a limpeza dos trilhos, a abertura de ruas. Eu estou atrás de tudo, estou vendo tudo. Às vezes as pessoas acham que a gente não está indo atrás. E não me interessa se foi A ou B, quero resolver a questão. Aqui é tudo transparente. Pode vir aqui a hora que quiser, participar de reunião, eu não tenho nada a esconder.

O senhor tem reclamado da estrutura física da Prefeitura…
Nosso ambiente de trabalho é péssimo. Não penso em reforma geral ou fazer nova sede porque não temos dinheiro, mas precisa ver que chove aqui dentro. No meu banheiro, quando começa trovoada, eu começo a me arrepiar. Tem que ir no banheiro de guarda-chuva. Os setores que estão melhor são os que o Dieter reformou, o resto é tudo uma vergonha, um labirinto. Só não vou fazer uma Prefeitura nova porque não dá, temos outras prioridades. Mas Jaraguá merecia um prédio como o Blue Chip, com a Câmara ao lado.

Um dos assuntos urgentes deste início de ano é a nova licitação do transporte coletivo. O contrato com a Canarinho venceu no ano passado. Como anda esta questão? Existe algum prazo?
Está tudo em análise no jurídico. Vamos fazer tudo dentro da lei. Mas é necessário dizer uma coisa: a Canarinho é uma empresa séria, tem feito esforços para atender a população. Eu não estou aqui para defender ninguém, mas a empresa tem os ônibus em boas condições, comprou um monte de ônibus novo financiado porque acredita em Jaraguá do Sul, na retomada da economia. Tem muita gente que reclama, fica fazendo oba-oba na internet, tem repórter metido a Datena da vida. Falam sem saber nada. Vai analisar a planilha, vai ver os custos, vai se informar sobre a contabilidade. Querem que transforme Jaraguá no Paraguai? Querem andar em cima de ônibus arrebentado? Isso é mais ou menos como os postos de saúde. Todo mundo quer um posto na porta de casa, mas o setor público não comporta. Temos que compactar, ser eficiente e realista.

A grande preocupação hoje é com o desemprego. Na campanha, o senhor prometeu criar um ambiente favorável para o empreendedorismo e a economia em geral. O que tem sido feito neste sentido?
A primeira ação foi colocar em prática o Projeto Legal, alvarás de construção serão liberados em 30 dias. Antes, o pessoal da Prefeitura só liberava depois de saber como seria a janela do banheiro da casa. Não faz nenhum sentido isso. A lei foi aprovada no ano passado e agora estamos colocando em prática. E no geral temos que desburocratizar tudo. Fiquei apavorado quando descobri que aqui dentro a gente tem 32 conselhos, alguns com 30 integrantes, desse jeito não se chega à decisão nenhuma. Temos que simplificar tudo. A questão dos alvarás, as questões ambientais, já iniciamos uma conversa com a Promotoria. O problema no Brasil é que o Estado ultrapassou os limites, acabou inviabilizando o país e se meteu onde não deveria.

Na última vez que entrevistei o senhor, um dia depois da sua vitória nas urnas, o senhor me disse que tinha uma meta um tanto quanto audaciosa, de terminar o mandato com 80% de aprovação. Conhecendo agora a realidade da máquina pública, o senhor mantém a meta?
Certamente. Eu não sou boboca, nem otimista demais, sei que é audacioso. Mas se o povo entender nosso trabalho, nossas intenções, será possível. Se a imprensa estiver aberta para mostrar, eu vou mostrar números, fatos, não vou ficar falando bobagens. A vida me ensinou, e a formação que tive da minha família, que tudo aquilo que você faz de errado vai custar no mínimo dez vezes mais. Eu aprendi isso na pele. Quando errei, paguei um preço bem mais caro. Pode chamar do que quiser, de Deus, lei do retorno, lei da natureza. Então, eu sei que estou aqui para fazer o que é certo, para fazer justiça. Eu não quero prejudicar ninguém, quero trabalhar para o bem. Dentro dessa política suja e maquiavélica, eu vim fazer diferente. Mas sei que não existe mágica, que teremos dificuldades.

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