“As únicas verdades são as plenamente vividas”

Foto Eduardo Montecino/OCP News

Por: Nelson Luiz Pereira

25/05/2019 - 05:05

Um casual papo com um amigo, no decorrer dessa semana, me remeteu às raízes. Nos reportávamos à infância e ele então me indagou: você brincou na rua? Respondi que não. Ué! mas todo mundo um dia brincou na rua! Não é uma verdade. Brinquei minha infância, mas no meio mateiro, retruquei. A minha foi nas ruas da Lapa e Leblon, onde me criei, disse ele.

Então, nossas infâncias foram moldadas por dimensões distintas: a mateira e a urbana, concluí. ‘Pensei com meus botões’, a balbúrdia sadia motivada por uma bola ou pulando amarelinha deve ser, relativamente, tão intensa e significativa quanto sentir a quietude da natureza em seu esplendor!

Bem, mas onde quero chegar com isso? Quero apenas argumentar que nossas únicas verdades são aquelas vividas intensamente. Todo o resto se enquadra como adaptação, aceitação, conveniência e quimera. Eu e meu amigo vivemos verdades distintas. Não faço ideia de como ele descreveria suas urbanas verdades da infância.

De qualquer forma, descreverei as minhas, que foram brincantes verdades mateiras. Para isso me apropriarei de Goethe, (de um de seus clássicos, ‘os sofrimentos do jovem Werther’) e emprestarei palavras do próprio jovem Werther, com algumas adaptações para minha realidade.

Eis então o relato de minha memória:

“Outrora, quando do alto dos morros, abrangendo com o olhar, para além da lagoa, desde os vales férteis até as colinas, ao longe, eu via em torno de mim tudo germinar e frondescer; quando eu contemplava aqueles morros e árvores ramalhudas, os vales sinuosos ensombrados de bosques deliciosos, o riacho que escorria tranquilo entre os caniçais murmurejantes, refletindo as nuvens que a brisa da tarde molemente faz flutuar no céu; depois, quando eu ouvia os pássaros animar com os seus cantos as laranjeiras; enxames de abelhas dançando alegremente no último raio purpúreo do sol; e entre as ervas, uma mamangava zumbidora; quando os ruídos e o movimento confuso em torno despertavam minha atenção para o musgo que tirava a sua seiva da pedra dura, e a giesta que crescia na encosta arenosa da colina, e tudo isso me revelava a vida interior ardente e sagrada da natureza, ainda sinto o calor com que o meu coração abarcava esse mundo de coisas! De algum modo, era como se eu me tornasse um deus pela plenitude de emoção que transbordava em mim, e as magníficas imagens daquele mundo infinito”.

São minhas verdades.

Lá nos confins da Gabiroba, vilarejo onde nasci, “eu via todas as forças insondáveis da natureza agir umas sobre as outras, e juntas se fecundarem na profundeza da terra; via espécies diversas de criaturas pulular sobre a terra e sob os céus. Só a lembrança dessas horas basta para me fazer feliz”.

Parecem coisas pequenas aos céticos pelo meio ambiente, mas direi eu, “pobres homens insensatos, que julgais todas as coisas pequenas, por que sois, também, tão pequenos?”

 

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